A palavra aramaica "Abba" - que significa papai - expressa muito bem quem é o verdadeiro Deus dos cristãos: Aquele que quer se relacionar conosco como o nosso Papai, o Deus que é amor incondicional...





sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A presença do Espírito Santo



Não poucas vezes ouvi alguém dizer que determinada igreja era demasiadamente “fria”. Ora, o que isto quer dizer? Basicamente, quer dizer que durante suas reuniões há poucas, ou nenhuma manifestação emocional e o auditório quase não dá retorno imediato ao que está sendo dito. Mas será que esta conclusão está realmente ligada à presença ou à ausência do Espírito Santo?
Em uma das vezes em que liguei a televisão num dia de domingo, ao final da manhã, estava sendo transmitido um destes programas de televisão evangélicos. Percebi que todo o programa girava em torno da expressão “avivamento”. E, como demonstração do que seria este avivamento, eram exibidas cenas de reuniões nas quais o apresentador pregava. As cenas eram de pessoas pulando, contorcendo-se e fazendo uma espécie de dança.
O mesmo apresentador, por diversas vezes, deixou clara a sua visão de que o “avivamento” era uma questão de sobrevivência da Igreja. Foi então que me pus a pensar: É evidente que um intelectualismo exacerbado e sem interação com o outro é nocivo em qualquer relacionamento. O próprio Senhor Jesus se emocionou, chorou e alegrou-se. Mas assim como negar as emoções é prejudicial, negar a palavra que fala à razão não constitui uma prova de fé.
“A Palavra de Deus ensina que a nossa razão é parte da imagem divina na qual Deus nos criou. Ele é o Deus racional que nos fez seres racionais e nos deu uma revelação racional. Negar nossa racionalidade é, portanto, negar nossa humanidade, vindo a ser menos do que seres humanos.”
John Stott
Parece-me que a vibração litúrgica de um auditório lotado não é a melhor forma de medirmos a presença do Espírito Santo em determinada comunidade. O mais relevante, pelo menos segundo a minha ótica, é a presença do Espírito em nossas vidas, que pode ser percebida pelo Seu fruto, que é o amor, a paz, a alegria, a bondade, a benignidade, a paciência, a mansidão, a fidelidade, o domínio próprio...
Manifestações de choro frenético, gritos e grandes emoções não me parecem traduzir a palavra avivamento. Este seria muito melhor demonstrado se procurássemos avivar as nossas vidas, pôr em prática o que Jesus ensinou claramente: viver o amor, praticar o bem, negar o egoísmo, viver em comunhão e, principalmente, não mais se preocupar em receber bênçãos sem medida, mas se ocupar em ser uma bênção para o mundo.
21/05/10. Denilson Basílio Costa

sábado, 18 de dezembro de 2010

As casas e as verdades



               Assim como uma casa se faz com tijolos, mas uma pilha de tijolos não é uma casa, também uma verdade cristã se faz com versículos – mas um amontoado de versículos não equivale necessariamente a uma verdade bíblica.

              Era uma manhã ensolarada e a caminhada já se estendia. A cidade estava logo ali. Antes da chegada, a fome. E depois da fome, uma figueira. Jesus se aproxima da planta esperando colher algum fruto. Mas encontrou apenas folhas. Não teve dó nem piedade – amaldiçoou a figueira, e deixou seus discípulos assombrados. Depois deu uma bronca em todo mundo e vaticinou: quem tiver fé, ainda que do tamanho de um grão de mostarda, vai mandar esse monte sair do lugar e ele vai obedecer. No meio dessa coisa toda, Jesus ainda encontra tempo para, literalmente, chutar o balde dos comerciantes do templo, que haviam transformado a casa do Pai em covil de ladrões

             O que uma cidade, uma figueira, um monte, um templo e a fé estão fazendo juntos nesta cena? Aliás, observe. Caso não tenha percebido, eles estão juntos. Não são episódios estanques, separados: o da figueira, o do templo e o aforismo sobre a fé. São peças de um quebra-cabeças que, montadas, deixam claro como o sol do meio-dia o que Jesus estava querendo dizer. Já, já, a gente chega lá. Mas quero contar outra história. Certa ocasião, Cristo se deparou com um homem dominado por espíritos malignos. “Legião”, disseram, ao responder qual era seu nome. Diante do Filho do Deus Altíssimo, os demônios pediram que Jesus os deixasse entrar nos porcos, perto de dois mil. Jesus consentiu. Em seguida, os porcos se lançaram ao lago de Genezaré e se afogaram. O pessoal da região ficou louco da vida com Jesus e pediu que ele fosse embora daquele lugar.

             Não tenho dúvidas de que você já ouviu e leu centenas de meditações baseadas nestes dois episódios da caminhada de Jesus com seus discípulos. Provavelmente, alguém já disse que seus problemas são como aquele monte citado pelo Mestre, e que podem ser superados pela fé. Não importam quais sejam seus embaraços, seus problemas, suas angústias e as razões do seu sofrimento; basta ter fé. Afinal, a fé remove montanhas, isto é, com fé a gente vence qualquer dificuldade.

             Também deve ter ouvido a respeito da autoridade de Jesus sobre os espíritos malignos, o que é absolutamente verdadeiro. E não é pouca autoridade, não. O Senhor deu conta de expulsar dois mil demônios de um homem de uma vez só. Eles fizeram fila e saíram um de cada vez. Então, imagine o que Cristo não é capaz de fazer com um demoniozinho tupiniquim! Principalmente, no palco de uma igreja evangélica. Com base na história do gadareno e sob a intercessão das mãos estendidas dos fiéis, os pastores se enchem de coragem e repetem sua fórmula infalível: “Sai desse corpo que não te pertence”.

            Será que estes episódios se prestam apenas a ensinar a respeito do poder da fé para vencer dificuldades na vida e acerca da autoridade de Jesus sobre o diabo e seus asseclas? Ou haveria algo mais nas entrelinhas das narrativas? Fico com a segunda alternativa: os Evangelhos – decerto, a Bíblia toda – contêm linguagem cifrada, códigos secretos que comunicam verdades profundas, perfeitamente percebidas pelos circunstantes, porém raramente alcançadas pelos leitores contemporâneos.

            Mas, e a figueira, a cidade, o templo? O que fazer com essas figuras? Vamos lá. Primeiro, o caso da figueira. Sabemos que essa árvore é um símbolo que identifica a nação de Israel. Assim também a cidade, o templo, e o monte. A cidade é Jerusalém, onde está o Templo de Salomão, no monte Sião. Jesus faz a limpa, cumprindo a profecia de Malaquias – “Logo virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais” – e a de Zacarias: “E, naquele dia, não haverá mais mercadores na casa do Senhor dos exércitos”.

            Jesus deixa claro que Israel é uma figueira estéril, sem frutos, o que é demonstrado pela profanação do Templo e deturpação de sua religião. A nação é amaldiçoada; Sião deixará de ser o centro da revelação de Deus e Israel será preterida por um povo com quem Deus celebrará uma nova aliança – em Jesus, e não mais em Moisés: “É evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé”.

            A fé que remove montanha não é a fé individual, aquela porção de fé de cada crente, mas coletiva, do povo da nova aliança: “Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão”.

            O monte removido pela fé não é a dificuldade particular de cada crente, mas Sião, o monte santo, que não se abala – ou melhor, não se abalava, até que Israel rejeitou o Messias, que conforme a Escritura, veio para os seus, mas não foi recebido por eles. Em Cristo, a Igreja – o povo da fé – recebe todos os títulos que pertenciam a Israel: “Geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido”. A fé remove o Monte Sião. Portanto, da próxima vez que alguém lhe disser que a fé remove montanhas, diga que já removeu. Sião não é mais o que era. A figueira secou. E nasceu a Igreja, povo de Deus, povo da fé.

            A mesma coisa acontece com a história do endemoninhado gadareno. Os espíritos imundos chamam a si mesmos de Legião, numa clara e explícita referência ao poderio militar romano. Assim como os opressores egípcios se afogaram no Mar Vermelho, quando com mão forte Yahweh libertou Israel pelas mãos de Moisés, também os opressores romanos estavam se afogando no Mar da Galiléia, sob as ordens daquele que ousou pronunciar “ouvistes o que foi dito por Moisés; eu, o Messias, porém, vos digo”.

             Da próxima vez que alguém lhe disser que Jesus é maior que os demônios, concorde. Mas acrescente – ele é também maior que Moisés. E maior que o Egito, a Babilônia, a Pérsia. É também maior que Roma. Maior que os espíritos malignos que agem nas entranhas do mundo, que jaz no maligno. E, porque maior que tudo e todos, é Senhor e libertador, aqui e agora, ali e além; Rei de um reino que não terá fim.

             Assim como uma casa se faz com tijolos, mas uma pilha de tijolos não é uma casa, também uma verdade cristã se faz com versículos – mas um amontoado de versículos não equivale necessariamente a uma verdade bíblica. Uma casa é resultado de um processo inteligente de ordenação harmoniosa de tijolos, todos agrupados conforme determinado projeto. Assim também, a verdade do Evangelho possui sua lógica. Fora dessa lógica intrínseca, versículos não passam de tijolos.

Ed René Kivitz

O Deus Criador e o deus criado

            


             Houve um tempo em que eu pensava estar perdendo a fé. Isto aconteceu porque comecei a me sentir, no mínimo, desconfortável com o tipo de mensagem vinda de alguns púlpitos de igrejas evangélicas, ou mesmo da TV ou rádio. Mensagens do tipo: "Vai dar tudo certo!"; "Se você der uma oferta de sacrifício, Deus abrirá a mão para te abençoar sete vezes mais"; "Você precisa ser rico"; "Vou liberar uma palavra de vitória para você". Como assim? A palavra de vitória estava "retida" e agora foi "liberada"? Entrei em crise. E entrei em crise porque todas aquelas idéias eram extraídas de versos da própria Bíblia Sagrada - ou pelo menos eu pensava que eram.

            Confesso que minha reflexão não é nada original. Graças a Deus já existe um exército de gente que percebeu que algo estava estranho demais em boa parte das igrejas por aí... Ricardo Gondim, Caio Fábio, Ariovaldo Ramos e, principalmente, Ed René Kivitz, são teólogos que já expõem sua insatisfação com a face neoevangélica da igreja, há muito. Resta-me unir a eles.

           É óbvio que não quero dizer que tudo o que se faz lá é desprezível e tem de ser jogado fora. Quem faz isso são as seitas. Mas prefiro compartilhar alguns pensamentos com aqueles que estão se sentindo peixes fora d'água em suas congregações.

           Estaria eu me tornando um cético? Creio que não. De fato, uma crença morreu para mim. Um deus morreu para mim. Um deus que dizia: "- Venha para mim e pare de sofrer!!!" Esse deus morreu. Morreu porque se mostrou um deus falso. Falso porque sua forma de agir foi criada na "subcultura da religiosidade evangélica" e não retirada das Escrituras.

           O deus criado fica de plantão para poupar os fiéis das tragédias, evita sofrimentos dos mais crentes, satisfaz os desejos dos mais íntimos e promete dar vitória aos cristãos nas disputas contra os "mundanos". Sem falar da super prosperidade e das "unções" dos mais variados tipos. Foi desse deus que Freud zombou. Um deus que é manipulado por nós. E que existe para nos satisfazer.

          Não faz sentido um relacionamento com um deus movido a promessas de bênçãos e retribuições. Tampouco é natural uma obediência cega a líderes religiosos abusadores, por medo de receber maldições como aquelas relatadas no Antigo Testamento. Deus não é um ídolo a serviço dos fiéis. Não importa se o método para atraí-lo é uma "oferta de sacrifício" ou uma galinha com farofa na encruzilhada. Estou farto de mandinga "gospel".

          Não é verdade que 2010 seria nota 10! E não é verdade que 2011 será nota 11. Isso é mentira! É infantil. Beira o ridículo. Não é verdade que uma oferta de R$ 900, feita em 2009, faz com que Deus libere todas as bênçãos que estavam retidas no céu para você, como tentam nos empurrar, goela abaixo, os "profetas" norte-americanos, profissionais da "arrecadação financeira", idolatrados por uma face da igreja brasileira.

         Todo fim de ano é a mesma coisa: "- Ano que vem, eu profetizo que você vai realizar todos os seus sonhos!".  " Receba, meu irmão, eu sou profeta de Deus na sua vida". Mentira! Mentira! Mentira!

         Precisamos nos livrar dessa confusão de sincretismo religioso. Chega de e-mail dizendo que "dentro de quatro minutos receberás uma boa notícia". E coisas do tipo: "Amanhã, o teu milagre vai chegar"

         Há milhares de pessoas no país que, apesar da sua fé em Cristo, passam dificuldades e sofrem dores terríveis diuturnamente. O fato de alguns versículos tirados da Bíblia e lidos por um líder religioso parecerem promessas de sucesso, sempre, não quer dizer que foi isso que a Bíblia quis dizer. Essas palavras de otimismo, "vai dar tudo certo", podem até trazer algum conforto, mas quando não dá tudo certo para aquele que entende ser fiel a Deus, geralmente ele se revolta e abandona a fé. Eis o perigo do engano e do auto-engano.

         Sejamos maduros e, não, massa de manobra. Não vai dar tudo certo o tempo todo. Não é isso que o Evangelho garante. Mas Jesus nos diz que quem ouve os seus ensinamentos e os pratica é como o homem sábio que construiu a sua casa na rocha, caiu a chuva, vieram as enchentes e o vento soprou com força contra ela. Porém, ela não caiu porque havia sido construída na rocha.

         Tempestades virão. São o ônus de estarmos vivos. Mas não estamos sós quando passamos por ela. É isso que nos garante o Deus Criador, totalmente antagônico ao deus criado...