A palavra aramaica "Abba" - que significa papai - expressa muito bem quem é o verdadeiro Deus dos cristãos: Aquele que quer se relacionar conosco como o nosso Papai, o Deus que é amor incondicional...





quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um Deus que se frustra

       
      Umas das coisas mais errôneas que se pode pensar a respeito de Deus é que Ele é um tirano. Jesus, durante todo seu ministério terreno, trabalhou para ajustar nossas lentes com relação ao seu Pai. Perceba que na parábola dos lavradores maus, em Mt 21:33, o dono da vinha representa o próprio Deus: 


       Jesus disse: —Escutem outra parábola: certo agricultor fez uma plantação de uvas e pôs uma cerca em volta dela. Construiu um tanque para pisar as uvas e fazer vinho e construiu uma torre para o vigia. Em seguida, arrendou a plantação para alguns lavradores e foi viajar. Quando chegou o tempo da colheita, o dono mandou alguns empregados a fim de receber a parte dele. Mas os lavradores agarraram os empregados, bateram num, assassinaram outro e mataram ainda outro a pedradas. Aí o dono mandou ainda mais empregados do que da primeira vez. E os lavradores fizeram a mesma coisa. Depois de tudo isso, ele mandou seu próprio filho, pensando: "O meu filho eles vão respeitar." Mas, quando os lavradores viram o filho, disseram uns aos outros: "Este é o filho do dono; ele vai herdar a plantação. Vamos matá-lo, e a plantação será nossa". Então agarraram o filho, e o jogaram para fora da plantação, e o mataram.
      Esse texto faz alusão à Isaías 5:2-7. Que nos explica que Deus esperava que Israel fizesse o que é direito, mas só ouviu suas vítimas pedindo socorro. Deus é frustrado em seus planos, para que não viole o livre arbítrio concedido à sua criação, como demonstração de todo o seu amor. Todos os dias os seres humanos usam o presente de Deus - a liberdade - para fazer o que é mau.

     É difícil para nós pensar que Deus ficou frustrado. Saber que Ele não conseguiu realizar um de seus desejos nos deixa assustados. Principalmente por que nossa mente raciocina com o conceito grego de Deus. Aquela ideia de perfeição suprema. Afinal, aquele que é perfeito não muda, nem é frustrado no seu querer. Mas a perfeição do Deus dos cristãos, tratada na Bíblia,  não quer dizer "ausência de mudança de ânimo". O Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo se entristece e se alegra. Ele é um Deus passional, um Deus de relacionamentos.  E relacionamentos implicam a possibilidade da frustração. O amor só é pleno quando ambos são totalmente livres, inclusive para abandonar o outro e fazer o que é mau.

      Jesus compartilha sua frustração quando diz: " Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os mensageiros que Deus lhe manda! Quantas vezes eu quis abraçar todo o seu povo, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram! (Mt 23:37). Já pensou num Deus que chora e lamenta não ter conseguido o que queria? Não parece mesmo um Deus Todo-poderoso... Mas acontece que Ele se esvazia do seu todo-poder e encarna como Todo-Amor... Ele que, em sua essência, não poderia jamais ser frustrado em seus planos, abre mão de usar seu todo-poder avassalador para usar seu amor incondicional.

       Viver debaixo da graça (favor que não se merece) é assim mesmo. Assusta. Ser livre é coisa muito séria. E, na verdade, Deus se permite frustrar porque não impõe sua vontade sobre seus filhos. Ele assume o ônus de ter criado seres à sua imagem e semelhança. E sabe que a liberdade traz consigo a possibilidade de fazer o mal, inclusive contra Ele mesmo e contra sua perfeita vontade.

       Precisamos aprender a viver de acordo com o que Ele nos ensina, para que possamos gerar em seu coração a alegria de ver os frutos do sacrifício e, não, a frustração de ver seus filhos queridos escolherem o que é mau.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Como funciona a oração


       Você já parou para se perguntar como funciona o mecanismo da oração? Confesso que já o fiz muitas vezes. Nunca entendi por que uns eram atendidos e outros, não. Quem nunca desconfiou que orar não funciona? Houve um tempo em que eu cria que se eu fosse fiel a Deus, Ele concederia todos os meus desejos (um gênio da lâmpada!) e daria vantagens a mim quando eu tivesse alguma disputa com algum incrédulo, ou alguém que não ora como eu oro. Pensava eu que minhas súplicas "moviam a mão de Deus". Ainda não tinha lido: "E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, SEGUNDO A SUA VONTADE, ele nos ouve". (I Jo 15:14)

      Imagine que você está tentando a vaga num emprego. Concorrem com você umas trinta pessoas. Você acha mesmo que aquele candidato que conseguiu reunir o maior número de intercessores é o que vai levar a vaga no emprego? Se assim fosse, Deus seria manipulável. Seria alguém sempre pronto a satisfazer nossas vontades, ainda que não sejam legítimas. No exemplo do emprego, pelo menos o desejo é válido, a lógica da oração é que precisa ser revista.

A Bíblia não garante que Deus atenderá nossos pedidos exatamente como foram feitos: pode ser que a vaga no estacionamento não seja encontrada e que chova no dia da festa. A oração não se presta a fazer Deus trabalhar para nós, atendendo nossos caprichos e provendo o nosso conforto. Já que a causa da oração simples é a ansiedade, a resposta de Deus é a paz. O resultado da oração não é necessariamente a mudança da realidade a respeito da qual se ora, mas a mudança da pessoa que ora.
Ed René Kivitz 

        Perceba que a oração deve ser feita sempre, mas o assunto está extremamente vinculado à paz gerada pelo ato de orar: "Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petiçöes sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos coraçöes e os vossos sentimentos em Cristo Jesus." (Filipenses 4:6-7). 


     Saber que as preces não funcionam de forma mágica para obtermos os objetos de nossos desejos não deve nos tirar o estímulo de orar. Pois a maior vantagem de quem ora é a paz. Quem ora quando está aflito ou ansioso recebe a bênção de ser consolado. Quem ora desenvolve maturidade espiritual. Sabendo que, para que sejamos atendidos, temos que estar alinhados com a vontade do Pai, procuramos orar por coisas mais nobres. Mas isso não quer dizer que não possamos orar por coisas pequenas como para fechar um contrato ou conseguir achar um sapato perdido. Orar, por si só, já é um ato benéfico.


     Apenas ocorre que o conteúdo das nossas orações revela as coisas que ocupam nosso coração e a nossa mente. Se estamos sempre orando por coisas egoístas, isto nos mostra como estamos auto-centrados e ensimesmados. Se todas as suas orações são pedindo coisas para si mesmo, é hora de pensar um pouco...


   Robert Schuller diz que orar a Deus com a finalidade de que Ele conceda todos os nossos desejos é o mesmo que estar com o barco na beira da praia, jogar a âncora e puxar a corda para a praia chegar mais perto do barco. Na verdade é o barco que deve chegar mais perto da praia, não é mesmo? Assim também quando se ora, somos nós que chegamos mais perto de Deus e, não, Deus que se aproxima de nós. Por isso, alguém que ora bastante vê que suas orações são eficazes. É o homem que fica pertinho do Pai e começa a orar de acordo com Sua vontade e, não, Deus que fica saturado de tanto ser incomodado por seus filhos chatos e concede o que queremos.

       Será que você acredita em um anjinho que protocola suas súplicas? Francamente...


      O nosso raciocínio é que se nós oramos e não conseguimos o que queríamos, de nada adiantou o fato de temos orado. Mas já imaginou Deus dando tudo o que todo mundo pede? O mundo não seria habitável! Três, cinco, ou dez pessoas, querendo namorar a mesma pessoa, pediriam a Deus o amor desta. E ela se apaixonaria pelas dez ao mesmo tempo. Manipulação... Não daria certo nunca!

     Achar que vamos conseguir tudo o que a gente quer simplesmente porque fazemos coisas para Deus, é idolatria. Pois os ídolos são aqueles que pedem favores espirituais para agir. Oração a Deus é uma espécie de recurso para purificar os nossos desejos maus e não uma forma de ser o queridinho do Papai!


     Nada tem a ver com aquilo que nós tentamos fazer. Queremos bajular a Deus para amolecer Seu coração bondoso. Como se a quantidade de horas de adoração fossem contabilizadas para que depois nós as sacássemos, como se fosse um crédito. Não podemos convencer a Deus de fazer aquilo que nós achamos que é melhor para nós. Por isso diz o salmista: "Deleita-te no Senhor e Ele concederá os desejos do teu coração." Pois enquanto estamos de joelhos na presença de Deus, nossos desejos são alinhados com os desejos de Deus, por isso Ele concede.


    Nas palavras de Santo Agostinho: "Rogamos àquele que conhece, conforme suas próprias palavras, aquilo que nos é necessário, antes mesmo de lhe pedir-mos. Temos de entender que o intuito do Nosso Senhor e Deus não é ser informado sobre nossa vontade, que não pode ignorar, mas despertar, pelas orações, o nosso desejo para aquilo que nos quer dar e que, realmente, é imensamente grande!"


     Não me importo com a forma como oro. Nem me preocupo se minha oração é razoável ou não. Apenas converso com Meu Amigo e ponho para fora o que está no meu coração. Quero colocar diante dele tudo aquilo que me aflige. Mas espero que eu aprenda a ser mais nobre e maduro e orar por coisas mais dignas a cada dia. Pois a oração me leva para perto dele e faz de mim um discípulo que tem paz, alegria e perseverança.

   Precisamos aprender o segredo do contentamento, estar satisfeito em toda e qualquer situação (na linguagem de Paulo). Precisamos beber da água que sacia para sempre a nossa sede (linguagem de Jesus).

     Dostoiévski diz que o vazio no peito do ser humano é do tamanho de Deus. Por isso eu quero encher-me do Eterno. E, se na minha vida vai dar tudo certo, eu não sei, mas que vou orar até o fim, isso vou...

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Abraão, Isaque e Jacó



     Quando Jacó fugia de seu irmão Esaú, teve uma experiência diferente com Deus. Ele disse que se o Senhor o guardasse, aí sim seria o Deus dele. Jacó estava desesperado porque sabia que tinha roubado a seu irmão, e este jurou que iria matá-lo. Só a partir de então é que ele resolveu se relacionar com Deus de forma íntima. Resumindo: até aquele momento, o que Jacó sabia a respeito de Javé (nome hebraico de Deus) era que este era o Deus de Abraão, seu avô e de Isaque, seu pai.

      Somente num momento de crise, no qual ninguém mais podia ajudá-lo, Jacó resolveu ter uma experiência profunda e pessoal com o Sagrado. Até então, apenas ouvia falar dEle. Até ali, para ele, parecia muito mais um deus ritualista e superficial do que o Deus de toda provisão!

     Alguns teólogos afirmam que Deus não é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Ele é o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Entende a sutil diferença? Ocorre que cada um de nós tem uma percepção do Pai. Cada um de nós se relaciona com Ele de uma maneira diferente. Com uns Ele fala quase que audivelmente. Com outros Ele fala prioritariamente através da Bíblia. Já com outros ele fala através de visões. E há aqueles com os quais Ele fala através de fortes sensações interiores. Para Davi, Deus era "Senhor dos Exércitos", que o protegia nas batalhas. Para seu filho Salomão, Deus era o supra sumo da sabedoria, que o guiava nas decisões mais difíceis, enquanto para Jesus, Deus é seu "Abba", seu Papai...

     Portanto, de nada adianta que você tente viver à sombra do Deus dos seus pais. Convivi com gente que entrou em crise existencial justamente porque até hoje não teve um encontro real e pessoal com o Pai. Gente que viveu frequentando igreja por causa da experiência que seus pais ou avós tiveram com Deus. Já está na hora de nós termos nossa própria vivência espiritual. Pois Deus só faz sentido se for real na nossa vida. Enquanto for mera ficção, não conseguiremos caminhar com Ele...

     Que busquemos a Ele com sede de aprender mais. Com sede de desenvolver sabedoria e intimidade. E que possamos dizer: "Antes eu Te conhecia de ouvir falar, mas agora, os meus olhos Te vêem"

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Das Vantagens de Ser Bobo




               O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

              Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

             O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

            Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. 



         Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

          Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

           Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

         Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

        O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

          Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

       Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar o excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

                                                                                                                              Clarice Lispector

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Igreja e a mulher no mundo contemporâneo



No século primeiro a mulher era apenas mais uma propriedade do seu marido. Ela era considerada pecadora e mentirosa por natureza. Seu testemunho em um julgamento tinha pouco valor. Não por acaso, após a ressurreição, quando Jesus apareceu às mulheres, estas correram e contaram aos apóstolos, mas não tiveram crédito. Afinal, elas eram consideradas pessoas pouco confiáveis.

Vivemos num mundo em que as mulheres continuam sendo desvalorizadas. No nosso país, algumas dentre elas mesmas estão cantando que são comparáveis aos bichos, sem mencionar as frutas. Apesar das grandes conquistas obtidas recentemente – dentre as quais se encontram o direito ao voto e o ingresso no mercado de trabalho – elas continuam a ocupar um espaço reduzido na sociedade. Foi somente a partir da 1° Guerra Mundial que as mulheres começaram a ter uma notável participação no mercado, pois com os homens em combate, muitas delas assumiram suas funções na produção industrial.

O próprio fato da necessidade de haver um dia para que se homenageie a mulher é prova de que ainda não absorvemos a idéia de que os dois gêneros estão no mesmo patamar de importância e valor. A despeito de evoluções como a criação da Lei Maria da Penha, as mulheres continuam sofrendo com tudo quanto é tipo de violência: no lar, no trabalho e na sociedade em geral. Continuam recebendo bem menos que os homens que ocupam a mesma função, enfrentam com bravura a dupla jornada e aquelas que trabalham exaustivamente em seus lares não têm seu trabalho reconhecido.

Mas o que a Igreja tem a ver com tudo isto? Explico. Sabemos que nós, os discípulos de Jesus, estamos postos no mundo como sal. O sal, à época do Novo Testamento, era utilizado para conservar os alimentos e evitar que eles apodrecessem. Assim deve ser o cristão no mundo: aquele que evita que o mundo se afunde na sua podridão. Segundo a Bíblia Sagrada, também somos luz, por isso devemos iluminar as trevas em que o mundo se encontra. Jesus mesmo fez questão de valorizar as mulheres. O apóstolo Paulo afirma que: “Em Cristo, não há diferença entre homens e mulheres” (Gl 3:28)

Sabemos que Deus tem expectativas diferentes para cada um, mas a submissão de que trata a Bíblia em nada se assemelha à falta de cidadania, muito menos à escravidão. Se traçarmos uma linha divisória de classificação das coisas entre “morte” e “vida”, chegaremos a uma conclusão. Por exemplo: desespero: morte. Paz: vida; poluição ambiental: morte. Desenvolvimento sustentável: vida; uso de drogas: morte. Compaixão: vida; desigualdade social: morte. Amor: vida. E Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10:10). Portanto, quando lidamos com a desigualdade de direitos entre homem e mulher, falamos de uma questão de dignidade. E devemos lutar para que ambos a tenham, porque assim, lutamos pela vida.

O Reino de Deus é o ambiente onde a justa vontade do Pai é feita. A Igreja tem o papel de sinalizar, aqui na Terra, o máximo possível do Reino que se consumará na eternidade. A dignidade intrínseca ao ser humano faz parte da imagem e semelhança de Deus em nós e a Igreja tem a vocação de iluminar o mundo com este ensinamento. Que possamos dar a homens e mulheres o mesmo valor, em todos os setores da sociedade. Então, poderemos aplaudir de pé a competência, dedicação, beleza, simpatia e o carinho que só elas possuem.
25/04/10. Denilson Basílio Costa

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu

          

            O cotidiano às vezes nos massacra, não é verdade? Dias vão e vêm e parecem ser iguais. Parece que as coisas continuam sempre do mesmo jeito... Eu, por exemplo, acordo todos os dias às 5:15 h. E lembro de versos de uma música do Kid Abelha: "Quando eu acordo ainda está escuro, eu digo: hoje eu não vou...". Tudo me irrita. E o pior é quando a gente olha para a frente e não consegue ver quando as coisas vão mudar. Paciência.

           Por falar no Kid Abelha, vamos esclarecer alguns aspectos sobre a música secular. Evangelizar nada tem a ver com impor padrões culturais. As Boas Novas do Reino de Deus não pretendem descaracterizar a cultura de povo nenhum. Ser cristão não significa pertencer a uma cultura própria. Jesus nunca desejou isso. Basta ver a oração sacerdotal de João 17, quando ele pediu ao pai que não retirasse as pessoas do mundo, mas que as livrasse do mal. Por isso, Ricardo Gondim já dissertava sobre esse assunto desde a década de 90, em seu livro: "É proibido. O que a Bíblia permite e a igreja proíbe"

          A intenção de Deus não é que formemos guetos culturais, mas que fôssemos sal e luz dentro de nossa própria realidade. A música faz parte da produção cultural de um povo. Assim como não vemos apenas filmes gospel, nem lemos só livros de História escritos por crentes, não me parece obrigatório ter de ouvir apenas música sacra.
O grande desafio para os evangélicos é o de não condenar ou afastar-se da cultura por medo de ceder ao mundanismo. Agindo assim, rechaçamos e subestimamos a cultura e assim passamos a viver em guetos.
Ricardo Gondim
         Por isso prossigo na minha jornada de peregrinação espiritual sem me valer do sectarismo, essa vontade louca de viver isolado do "mundo" que alguns religiosos tentam impor sem uma argumentação consistente. Prefiro sonhar ao som de "Vilarejo" de Marisa Monte, música que segundo um pastor, é a melhor descrição do céu já ouvida por ele. Viajo nos versos dos poetas brasileiros. Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Manuel Bandeira e por aí vai. E tento repensar a vida sem aquele peso do dia-a-dia. Por isso de vez em quando solto a imaginação e produzo um quadro. Ou simplesmente rabisco um rosto delicado de mulher num papel.

          Na busca de coisas belas, vou contemplando o céu como Ícaro, mito grego que acabou sofrendo por ser sonhador demais. Diz a lenda que o pai dele teria construído asas com penas de animais e colado com cera das abelhas. Ao se distrair com a beleza do céu, Ícaro aproximou-se demais do sol, o que fez derreter a cera e o derrubou fatalmente no mar. Ainda que seja mais arriscado, vale a pena ver as coisas pelo lado belo da poesia, mais do que pelo lado frio da ciência e do ceticismo. Por isso prefiro o céu de Ícaro ao de Galileu. Mas certamente o fim do jovem que contempla o firmamento imaginando a eternidade será outro. Vida longa ao lado do Criador...
             

Já estou cheio de me sentir vazio

           

         A queixa de Renato Russo, na música "Baader Meinhoff Blues" é a mesma queixa de boa parte da humanidade. As pessoas estão cada vez mais ocupadas. Cada vez mais atarefadas. E tendo relacionamentos cada vez mais superficiais. Os estudiosos chamam isto de utilitarismo. Utilitarismo é o que acontece quando nós nos aproximamos das pessoas já calculando o que elas podem nos oferecer. Achamos que todos os nossos passos têm de ter alguma finalidade. Se pergunta: "O que eu vou ganhar se fizer isso ou aquilo?" Desse jeito, deixamos de lado aquelas amizades espirituais, onde estamos ao lado de pessoas sem motivo algum. Sem interesse. Só porque gostamos delas.

         A sociedade consumista quer sugar tudo o que vê pela frente. Não é raro vermos jovens famosos, ricos e poderosos sendo vítimas de mortes trágicas como a de Amy Winehouse. Mesmo tendo de tudo na vida, aparentemente, essas pessoas tentam suprir o vazio que sentem na alma através do sucesso, da fama, das bebidas, das noitadas, das paixões desenfreadas e principalmente das drogas. Tudo por que dentro de nós há uma espécie de sanguessuga, um bicho come-come que tudo quer traçar e nunca está satisfeito.

           Recentemente os cientistas chegaram à conclusão de que o ser humano possui um espaço no cérebro destinado à fé. Parece que já nascemos com esse lugar reservado para a busca pelo sagrado e pela espiritualidade. Isto explica porque em todas as culturas há crenças religiosas. E explica também por que tanta gente tenta ser feliz depositando suas vidas no carro do ano, na carreira dos sonhos, no grande amor da sua vida, na poupança gorda. O umbigo existencial da humanidade é um poço sem fundo. Somente o Deus eterno pode preencher esse vazio sem fim. Assim, podemos experimentar a paz que excede todo o entendimento, como diz o apóstolo Paulo.

          Quando comecei a ter uma certa intimidade com o Papai, deixei de fazer coro com o Renato Russo, pelo menos nessa frase. Não mais me sinto cheio de estar vazio. Pois aquele vazio foi preenchido pelo amor eterno e agora ainda que haja momentos de fraqueza, tristeza e solidão, estes são breves, pois o que permanece é a sensação de saciedade que Ele me deu.

           Chega de se sentir vazio. É possível se sentir feliz enquanto se corre atrás do futuro. Com ambição de crescer na vida e prosperar, mas de forma saudável e solidária, como Jesus nos ensina.