A palavra aramaica "Abba" - que significa papai - expressa muito bem quem é o verdadeiro Deus dos cristãos: Aquele que quer se relacionar conosco como o nosso Papai, o Deus que é amor incondicional...





segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Coisa de Criança

        

          Por onde Jesus passava era possível ver crianças correndo em volta e se misturando na multidão. Os discípulos tentaram impedir que as crianças se amontoassem no colo de Jesus. Achavam que Jesus tinha coisa mais importante para fazer do que dar atenção às crianças, mas acabaram descobrindo que não apenas as crianças gostavam de Jesus, mas Jesus também gostava das crianças. Numa dessas ocasiões, Jesus pegou uma criança no colo e deixou muito claro que quem não se torna igual a uma criança não pode entrar no reino dos céus, pois o reino dos céus pertence aos que são semelhantes às crianças [Mateus 18.1-5; 19.13-15]. Naquele dia as crianças se tornaram um padrão para a espiritualidade cristã.



        Evidentemente, Jesus não pretendia que nos tornássemos iguais às crianças em todas as dimensões da infância. As crianças, por exemplo, não sabem o que é a gratidão, pois não têm noções de medidas abstratas. Não têm condições de avaliar o que é feito por elas, não sabem quanto sacrifício é necessário para que sejam cuidadas e não têm critérios para os custos da dedicação dos pais ou o valor das coisas que são oferecidas a elas. Por isso é que os pais vivem dizendo “diz obrigado para a titia”, “já disse obrigado para o vovô?”, pois se não o fizessem, as crianças simplesmente pegariam o presente e sairiam correndo para brincar. As crianças também não têm noções de tempo, distância e volume. Por isso é que usam palitos de fósforo para marcar quantos dias faltam para o passeio no zoológico, numa viagem longa perguntam de cinco em cinco minitutos se está chegando, e de noite, antes de irem para a cama, abrem os braços e dizem com aquele sorriso lindo “mamãe, eu te amo desse tamanho assim”.


          As crianças também estão absolutamente fora das categorias sociais de valores e importância. Tratam o general com a mesma displicência com que tratam o zelador do prédio onde moram, e falam as maiores barbaridades quando percebem algo inusitado em algum adulto que pretende conquistar sua simpatia, deixando os pais ruborizados e constrangidos. Elas não sabem quem é importante e quem não é. Elas ainda não foram contaminadas com os paradigmas do mercado, que valora pessoas de acordo com posição social, conta bancária, ou potencial de favorecimento e trocas de favores. Não fazem a menor ideia, por exemplo, de que é preciso um sorriso de plástico para o senhorio que chegou para tratar do aumento do aluguel, ou demonstrar especial apreço ao chefe que veio para o jantar. Isso significa que uma criança jamais perguntaria para Jesus “quem é o mais importante no reino dos céus?”, pois não lhes passa pela cabeça que um ser humano pode ser maior ou menor do que o outro em termos de valor intrínseco – aliás, nem imaginam que exista ou o que seja esse tal de “valor intrínseco”.


          A exortação de Jesus aos seus discípulos sublinha exatamente esses traços próprios das crianças: o absoluto despojamento das disputas de poder e a absoluta ignorância a respeito das hierarquias que separam os seres humanos uns dos outros, e promovem toda sorte de guerras e conflitos, que somente se justificam pela vaidade e o orgulho dos egos que pretendem se afirmar às custas da diminuição e destruição dos demais.


         Como seria o mundo se todos tivessemos o coração das crianças? Teríamos breves desentendimentos, logo seguidos de um enxugar de lágrimas e a correria reiniciada rumo à próxima brincadeira. Haveria mais cooperação e menos competição, mais perdão e menos ressentimento e ódio, mais partilha e menos acúmulo, mais brincadeira e menos agressões, mais amores e menores dores. O rabino Harold Kushner disse que as crianças perdoam rápido, e se reconciliam na velocidade da luz, pois “preferem ser felizes a ter razão”. São simples, e humildes, não se constrangem com vitórias e derrotas, pois não competem, apenas brincam. Não estão no jogo de “quem é o maior e quem é o menor”.


           O Reino de Deus é um reino para gente com coracão de criança. Todo mundo brincando de roda, cada um segurando na mão do outro, sem restrição para quem chegar, apoteose da fraternidade universal, sob a benção do Pai, do Filho e do Espírito Santo, numa santa e bendita folia. Coisa de criança.


Por Ed René Kivitz (http://edrenekivitz.com)

O dilema de Jó e o sofrimento do inocente

         


          O livro de Jó é um clássico sobre o sofrimento humano. Há quem diga que Jó foi uma personagem fictícia. Porém, sua história é citada no Novo Testamento, de forma clara, por Tiago. Vemos que Jó era homem justo ("Na terra de Uz vivia um homem chamado Jó. Era homem íntegro e justo; temia a Deus e evitava o mal."[Jó 1:1]).  O próprio Deus reconheceu a integridade de Jó: "Disse então o Senhor a Satanás: 'Reparou meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele, irrepreensível, íntegro, homem que teme a Deus e evita o mal'" (Jó 1:8).
         

          Interessante que os amigos de Jó, ao vê-lo em meio ao sofrimento, resolveram consolá-lo. Enquanto se limitaram a chorar com ele, tudo estava bem. A atitude foi louvável! O problema foi o que veio depois. Como a teologia da época pregava a justiça retributiva, os amigos de Jó não viram outra explicação para seu sofrimento, senão os seus próprios pecados!


          Pior do que a tragédia é a tentatva de explicá-la! É bem verdade que há problemas na vida que são consequências de nossas atitudes. São apenas a colheita do que plantamos. Mas não podemos nos esquecer do imponderável, dos males aleatórios que acometem a alguns, independentemente de cultura, gênero, classe social, etnia e religião. Não sabemos explicar o porquê, nem sabemos por que acontecem com uns e, não, com outros.


          Não bastasse a dor de ter de sepultar seus filhos e de ter perdido seus bens materiais, Jó ainda teve de sofrer mais um toque de Satanás, pois quando este percebeu a sua persistência, sugeriu a Deus que a blasfêmia acorreria se sua saúde fosse abalada: " 'Pele por pele!' , respondeu Satanás. 'Um homem dará tudo o que tem por sua vida. Estende a tua mão e fere a sua carne e os seus ossos, e com certeza ele te amaldiçoará na tua face.' " (Jó 2:4-5)


          Após as infelizes tentativas de explicação dos amigos de Jó, ele insiste em dizer que não é o culpado pelos seus próprios males. E, logo depois, deseja encontrar-se com Deus para obter respostas para a sua tragédia. Jó pedia a Deus que lhe pesasse em balança justa, pois sabia que estava livre de culpa. É preciso que um homem seja mesmo muito íntegro para ter coragem de fazer esse pedido a Deus! Eu é que não quero ser pesado em balança "justa". Minha consciência não é tão limpa assim... Quero ser pesado em balança de misericórdia! Com o peso pendente pro meu lado, é claro!


          Impressionante é que Deus responde a Jó do meio da tempestade: "Então o Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade. Disse ele: 'Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento? Prepare-se como simples homem; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá. Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Responda-me, se é que você sabe tanto.' " (Jó 38:1-4) 


         Deus faz dezenas de perguntas a Jó e ele não consegue responder a nenhuma delas! Ele mostra a Jó que o conhecimento humano é limitado demais para compreender as razões de tudo o que acontece na vida. E o mais belo de tudo é que a sorte de Jó foi restaurada quando ele orou pedindo o perdão para seus amigos por eles terem falado o que não deviam a respeito de Deus. Jó orou por eles seguindo orientação do próprio Criador.


         No dia mau, no meio do caos, na hora da tragédia, o que precisamos não é de respostas sobre a causa de tamanha dor. Nós precisamos mesmo é de pessoas ao nosso lado. Deus incentivou a comunhão de Jó com os amigos que inicialmente tinham ido consolá-lo, mas acabaram acusando-no, mandando que Jó orasse por eles. Quando algum amigo vier trazer respostas para a causa do seu sofrimento, veja se ele pode responder as perguntas que Deus fez a Jó! Se não puder, a companhia dele é o melhor que se pode ter.

Quando três amigos de Jó: Elifaz, Bildade e Zofar souberam de todos os males que o haviam atingido, saíram, cada um da sua região, e combinaram encontrar-se para mostrar solidariedade a Jó e consolá-lo. Quando o viram à distância, mal puderam reconhecê-lo e começaram a chorar em alta voz. Cada um deles rasgou o manto e colocou terra sobre a cabeça. Depois se assentaram no chão com ele, durante sete dias e sete noites. Ninguém lhe disse uma palavra, pois viam como era grande o seu sofrimento. (Jó 2:11-13)

          Melhor mesmo é que, quando percebermos alguém em meio a muitas dores, nos limitemos a estar presente, e chorar com esse alguém, como fizeram inicialmente os amigos de Jó. A demonstração de solidariedade é o máximo que podemos oferecer e receber em meio ao sofrimento.