A palavra aramaica "Abba" - que significa papai - expressa muito bem quem é o verdadeiro Deus dos cristãos: Aquele que quer se relacionar conosco como o nosso Papai, o Deus que é amor incondicional...





terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Na tempestade com Deus de verdade

        
        Quando se vive com fé num deus supersticioso, num deus ritualista, num deus que promete dar somente vitórias a quem lhe for fiel, basta a vida dar a primeira pancada no suposto "novo convertido" que ele joga tudo pro alto e parte para uma nova religião, para o ateísmo, para o sincretismo ou, pior ainda, para o cinismo! 

         O que o Evangelho promete não é suspensão da realidade , é força pra suportar a realidade. Por mais difícil que seja, temos de caminhar pela fé, sem saber o que irá acontecer. O Evangelho não promete que as realidades mudarão para nos beneficiar por sermos filhos de Deus, mas que nós conheceremos dentro de nós a presença de Deus de tal modo que, pela Sua Palavra, a própria realidade vai ser menor do que aquilo que se instalou, em fé, no nosso coração! 

       O poder que Jesus nos garante não é poder pra amarrar ventos, é pra enfrentar ventos! Nosso lugar seguro está na Palavra de Jesus. Não lemos a Bíblia somente para aprender sabedoria para a vida. Ser cristão também não é obedecer regras morais! Não são dicas de como se viver bem... É certeza de que Ele vai estar conosco em meio as dificuldades da vida!

        Não é que vá aparecer dinheiro de forma milagrosa em nossa conta corrente, é que a transformação da tua vida operada por Cristo vai te trazer, aos poucos, um novo equilíbrio. E assim você vai se ver livre do consumismo que te fez se endividar. E enquanto esse processo vai acontecendo, você vai tendo forças para prosseguir sem pensar em suicídio.

        Assim como fez com Pedro, o Deus verdadeiro, que se revelou na pessoa de Jesus, nos mostra que é possível ter a experiência de andar sobre as águas, mas que é possível que tenhamos de suportar a experiência do afogamento! Mas em ambos os momentos Ele está conosco!

         Que tenhamos a benção de conseguir senti-Lo pelo caminho da vida! Amém!


sábado, 3 de dezembro de 2011

A verdadeira identidade

        

        José, um dos filhos de Jacó, acabou sendo vendido por seus próprios irmãos como escravo para os egípcios. Certamente ele chegou a se sentir um desprestigiado por estar passando por aquela humilhante situação. Mas dessa circunstância extremamente ruim, Deus tirou excelentes resultados. José tornou-se homem de confiança do Faraó quando desvendou seu sonho e ajudou o Egito a estocar alimentos para se preparar para sete anos de fome.

        José passou bastante tempo no Egito por causa disso. Usou roupas egípcias, comeu comida egípcia,  vivia misturado aos egípcios e até ganhou um nome egípcio: Zafenate-Panéia. José se tornou governador do Egito, um cargo que era subordinado direto do Faraó, maior autoridade egípcia.

       Aquele jovem que chegara àquela terra com o status de escravo, agora era braço direito de Faraó. Tinha muito poder! E o desafio para esse rapaz agora era não se esquecer de sua identidade. Por mais que ele estivesse em terra estrangeira, casado com uma estrangeira, com filhos nascidos naquele lugar, com uma cultura diferente, costumes diferentes, religião diferente, ele precisava se lembrar que ainda era José, o hebreu. Ainda que ali ele fosse chamado Zafenate-Panéia e vivesse como se fosse um egípcio, dentro de si, ele sabia que continuava sendo um filho de Yahweh, o Deus de Israel.

       Nosso grande desafio hoje, é, também, viver no "Egito", usar roupas egípcias, trabalhar no governo egípcio, numa cultura egípcia, mas não perder a identidade de "hebreu". Estamos imersos em uma sociedade de valores invertidos, cultura consumista, costumes cada vez mais contrários aos valores cristãos, mas precisamos ter consciência de que somos "José", e não, "Zafenate-Panéia". Estamos no mundo, mas não pertencemos a esse sistema do "mundo". Nossa presença em meio à sociedade é essencial, pois precisamos mostrar a todos o que é ser filho de Deus, mas não podemos nos esquecer de quem somos: peregrinos nessa terra!

           Te vejo na pátria celestial, lá é nossa casa!

sábado, 12 de novembro de 2011

Quando tudo não é o bastante



         A palavra hebraica "shalom", que geralmente é traduzida como "paz", na verdade significa muito mais do que isso. Ela traduz a plenitude. Ela simboliza a plena saciedade. "Shalom" quer dizer harmonia, estado máximo de bem-estar. É isso que Deus deseja para a humanidade. Mas este estado de vida somente é possível de ser alcançado por aqueles que desfrutam de um relacionamento pessoal com o Criador.

         O rabino Harold Kushner fez uma brilhante leitura do livro de sabedoria hebraica chamado Eclesiastes. À esta sua obra o autor deu o título "Quando tudo não é o bastante".  A Bíblia Sagrada nos mostra que dentro de nós há um abismo, um poço sem fundo. Esse vazio somente pode ser preenchido pelo shalom de Deus. Sem Deus, não adianta ter tudo aquilo que a vida pode oferecer de bom. Por isso vemos tanta gente que tem de tudo e, ainda assim, vive com um infinito senso de falta. Precisa sempre de mais um gole, de mais um trago, de mais uma propina, de mais uma transa ilícita num lugar perigoso.

         É por isso que na oração que Jesus nos ensinou, o "Pai Nosso", Ele nos orienta a pedir o "pão de cada dia". Não é de comida que Ele está falando. O próprio Cristo nos disse que não precisávamos nos preocupar com o que haveríamos de comer. O que Ele quer nos mostrar aqui é que devemos pedir a Deus não o pão material, mas o pão que nos sacia eternamente, o Pão da Vida. Devemos ansiar pela fartura plena. Aquela que preenche os buracos da alma! Pois, infelizmente, há aqueles que tudo têm, mas esse tudo nunca é o suficiente.

        Sem Deus, mesmo que tenhamos tudo, esse tudo não será o bastante. Caminhar com Jesus não é seguir códigos morais, dogmas e rituais religiosos. Andar com Cristo é aprender a ter saciedade plena. É aprender a desenvolver essa satisfação espiritual, independentemente das coisas que possuímos ou deixamos de possuir. O maior bem que precisamos ter é a intimidade com o Senhor! Pois, assim, aprendemos a estar contente em toda e qualquer situação.

       O apóstolo Paulo também nos ensina isto quando diz: "Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece" Fp 4:12-13.

        Que nós possamos aprender a ter a plena paz a cada dia. Fartura de alegria. É curioso como Deus dá dons diferentes às suas criaturas e estas, ainda que não estejam conscientes, declaram a grandeza das Suas obras... Aliás, pode ser que tenha sido nisso que pensou a cantora Marisa Monte, quando fez sua descrição de Paraíso, que talvez seja uma das melhores já feitas:

Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão

Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraíso se mudou para lá

Por cima das casas cal
Flores em qualquer quintal
Peitos fartos
Filhos fortes
Sonho semeando o mundo real

Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa

Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar

Em todas as mesas pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção

Tem um verdadeiro amor
Para quando você for...

        Quanto mais próximos formos de nosso Criador, mais teremos a sensação de saciedade e de plenitude, que vem dele. Pois certo é que nenhuma riqueza desse mundo pode satisfazer um coração com sentimento de eterna falta, pois este tem dentro de si uma sanguessuga. Que o nosso objetivo seja nos enchermos daquele que sacia a nossa alma, o Pai celestial.

Shalom!


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Bicho, coisa ou gente?



            Um dos grandes males do Século XXI é a coisificação das pessoas. Parece-me claro que Deus criou as pessoas para serem amadas e as coisas para serem usadas. Mas o grande fenômeno da nossa sociedade pós-moderna é justamente o oposto, usamos pessoas e amamos coisas. O amor exagerado às coisas e o uso indiscriminado das pessoas. Isso sim pode ser chamado de um grande pecado, pois deturpa a imagem e semelhança de Deus em nós! Quando alguém trata um ser humano como uma coisa, mesmo que não saiba, ofende a dignidade intrínseca que nos foi dada justamente por termos sido feitos à imagem e semelhança do Criador.

            A busca desesperada pela tríade mais famosa do mundo moderno - sexo, poder e dinheiro - conduz as pessoas à perdição. Gente atropelando gente. Gente tratando gente como bicho com um único objetivo: mais sexo, mais poder e mais dinheiro. Esse caminho é terrível,pois destrói não só aquele que vive nele, mas também seus familiares. Quantos lares já ruíram por causa dos desejos desenfreados e cegos de alguns!

            Quanto mais cativos dessas paixões sem limites nós somos, menos humanos nos tornamos. A gente acaba se tornando um ser bestial. Movido pelo instinto animal. A coisificação das pessoas anula a integridade que é própria daqueles que foram feitos com tanto cuidado por seu Criador. Jesus nunca exigiu de seus seguidores que eles fossem seres "desencarnados", que se abstivessem de viver suas vidas e as curtissem da melhor maneira possível. A questão é se nós temos feito isso de maneira sadia, segundo a perspectiva cristã.

            Os instintos animais estarão sempre presentes em nossas vidas. Até porque, no caso do sexo, por exemplo, trata-se de uma questão de sobrevivência da humanidade. Sem sexo a humanidade se extinguiria. O problema todo é como nós estamos lidando com a questão sexual. Se nós somos daqueles que nos deixamos levar pelos instintos naturais, precisamos repensar o assunto. Pois Cristo nos ensina a dominar nossos apetites e nossos desejos.

            Precisamos é deixar de viver como bichos. Somos humanos e podemos decidir o que fazer com nossos apetites. Somos a única espécie que tem a prerrogativa de não precisar seguir os próprios instintos. Precisamos transcender as nossas animalidades! Os desejos são sinais até de boa saúde. Portanto, não é razoável imaginarmos que um sujeito convertido deixará de ter desejos. É saudável ter seus desejos despertados.  Mas é nossa tarefa usar nossa dimensão humana para direcionar o alvo dos nossos desejos.

             Não é legítimo que se use pessoas como objetos de satisfação pessoal para depois se jogar fora o bagaço, os restos. Na tradição da espiritualidade cristã nós aprendemos que o sexo entre duas pessoas as faz ser uma só carne. É uma relação de amor e afeto. É uma construção transcendental e profunda de sentimentos. O que a Bíblia quer nos dizer é que o caminho de bestialização do ser humano é um caminho que nos leva a destruição, não só da nossa vida, mas de tantas outras vidas que se envolvem com a gente.

            Nosso apetite legítimo não é de sexo, pois nós não somos bichos. Nós não vivemos os ciclos do cio como os outros animais. Nosso apetite, no fundo, é por afeto! Somos seres que podemos refrear nossos impulsos. Aliás, é justamente a capacidade de domínio próprio que permite que a humanidade continue existindo com um mínimo de paz, pois se cada um seguisse seus próprios instintos e desejos, o caos reinaria na Terra e o ser humano estaria com seus dias contados.

          Houve um tempo em que o dinheiro era visto como algo demoníaco pelos cristãos. Porém, hoje cremos que ele pode ser uma bênção desde que não seja elevado à categoria de "deus". O dinheiro tratado como um deus é chamado por Jesus de "Mamon", pois se torna um ídolo. Esse sim é perigosíssimo, pois nosso instinto é passar por cima de tudo e todos para conseguir nosso próprio conforto. E junto com ganância pelo poder, faz grande estrago nas vidas de muitas famílias.

              É regra de ouro do Cristianismo negar a si mesmo, lutar contra nossas tendências egoístas. Que nós possamos refletir sobre isso a cada dia. Não somos bichos que precisam fazer tudo aquilo que sentem vontade de fazer. Para que haja vida em sociedade, é necessário que nós deixemos de fazer somente o que queremos para fazermos aquilo que precisamos fazer em prol do outro, do próximo. Que assim seja!



                

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A Grande Proposta Existencial

     

   
Mateus 25:31. ""Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial. Todas as nações serão reunidas diante dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos bodes. E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda."Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: 'Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram'. "Então os justos lhe responderão: 'Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?' "O Rei responderá: 'Digo-lhes a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram'. 
            Sabemos que Deus age na história da humanidade transformando maldosos em bondosos. Homens e mulheres que eram maldosos, mas que nascem denovo, fruto da interferência e intervenção da graça de Deus! E se tornam, então, agentes da bondade. Se levantam em oposição à maldade. Quando esse exército é renascido, ele avança e ninguém pode parar! Por isso o julgamento, quando somos indiferentes, é: "Eu tive fome e vocês não me deram de comer"... "Vocês não foram o contraponto do mal. A maldade estava diante dos seus olhos e vocês não se levantaram contra ela. O caráter de meu Pai não estava suficientemente arraigado para que vocês expressassem, diante do mal, o bem, o amor, a graça, a solidariedade, a justiça, a misericórdia... Então não há de Deus em vocês... Então o lugar de vocês é a perdição..."

           Deus interpela a Igreja para amar através do grito do Filho. Todo ato de solidariedade é uma resposta do Pai ao clamor do filho. É assim que Deus escolheu agir na história da humanidade. Deus ouve o clamor do filho e envia a Igreja como resposta. A Igreja em sentido espiritual, não a instituição Igreja. Neste texto nós vemos Jesus, não naquele que doa, mas naquele que está necessitado. A divindade presente nesta narrativa está naquele que clama! Esse, inclusive, é o mesmo problema do rico na parábola de Lázaro. A indiferença diante da necessidade do próximo!

           Infelizmente a nossa juventude, hoje, é vazia de sonhos! Carecemos de propostas existenciais. Será que o objetivo de nossas vidas será tão somente passar no vestibular, conseguir um emprego legal e comprar um carro maneiro? Não que isso não seja legítimo, mas será que esse é o máximo que podemos almejar? Não falo de conquistas materiais, mas de sonhos coletivos. Utopias mesmo. No melhor sentido da palavra. Estamos carentes de propostas existenciais legítimas e não há melhor proposta do que o Reino de Deus!

           Aqueles que se sentem vocacionados ao Reino pensam em ser pastores, missionários, ministros. Será que alguém pensa em ser vocacionado infiltrado na sociedade? Será que entendemos o que quer dizer: "ser sal"? Porque o sal não pode salgar nada quando fica retido dentro do saleiro! Sejamos pastores numa sala de aula. Sejamos missionários num consultório. Sejamos ministros em meio a podridão do judiciário desse país!

           Precisamos compreender a Missão da Igreja de forma integral, onde a igreja vai para as ruas não para proclamar somente arrependimento e fé para uma salvação privativa. Mas para proclamar que o Reino de Deus chegou e está entre nós. Pois a missão nos foi dada em função da chegada do Reino: "Todo o poder me foi dado no céu e na Terra, portanto ide..." O foco é a chegada do Reino! A missão é sinalizar o Reino. Viver na história de maneira que o Reino seja como aquela cidade edificada sobre o monte, que não se pode esconder. E se alguém quiser entrar nessa cidade precisa se submeter ao seu Rei. Para estar no Reino é preciso nascer denovo. Mas nascer denovo não é um fim em si mesmo. O que nós precisamos é resgatar o conceito de vocação. A coisa não termina quando se levanta a mão na igreja.

            Sim, precisamos rever nosso conceito de vocação pastoral! A agenda do Reino de Deus tem como vocacionados os que dão de comer a tem fome, os que dão de beber a quem tem sede. Aqueles que constroem nossas casas. Aqueles que concertam os carros. Por isso Jesus não diz: "Vinde bendito de meu Pai, pois eu não conhecia o Evangelho e você me deu um folheto!" Ele diz: "Eu tive fome e você me deu de comer... Eu estava morrendo num corredor de hospital e você me atendeu".


            A vocação não precisa passar pelos corredores da religião. Até porque, uma Igreja que quer lavar os pés da nação, tem que ser uma igreja laica! Precisamos multiplicar SERVOS nas igrejas e não, clientes! Nossa vocação é estar no mundo, proclamando o Reino de Deus... É a utopia que move o nosso coração! E já que nós vivemos mesmo de utopias, tenhamos mais essa... Aí, sim, vamos ouvir: "Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo!" 



domingo, 11 de setembro de 2011

O cristão no mundo do trabalho

      
      A rotina de acordar quando ainda está escuro, todos os dias, e pegar um ônibus lotado, passando horas a fio nele, desanima qualquer um. Se o seu trabalho não é aquele que você pediu a Deus, então, o martírio é pior ainda!

      O trabalho é algo planejado para o homem desde sua criação. Não é fruto do castigo divino pelo pecado. Na expulsão do Paraíso, o suor do rosto é que é o ônus acrescido. Ou seja, já havia trabalho antes da expulsão do jardim do Éden, porém, não havia sofrimento. O mandato cultural de Deus para o homem é que ele povoe a Terra e cultive o jardim. (Gênesis 2:15). É através do trabalho que Deus nos mostra que nós colaboramos com Ele na obra da criação. Toda a criação até hoje trabalha, assim como o Criador também. (João 5:17)

      Nos tempos pós-modernos, apesar de cada um querer segurar seu emprego com unhas e dentes, todos querem que seu trabalho tenha algum sentido. A espiritualidade no mundo do trabalho é uma resposta ao extremismo materialista do capitalismo. Precisamos, no entanto, fazer a distinção entre espiritualidade e religião. Religião é apenas a forma como as pessoas sistematizam sua espiritualidade. Espiritualidade é uma dimensão humana. Todos têm espiritualidade. A religião no mundo do trabalho causa divisões. Já a espiritualidade traz harmonia, pois ensina o amor, a tolerância, a ajuda mútua, o perdão.

      Na Idade Moderna, o homem tratava o  mundo como um mecanismo e não como algo vivo que precisa ser preservado. O conceito de mundo-máquina era amplamente difundido e o que importava era extrair do planeta o máximo de recursos que ele pudesse oferecer. Certo teólogo italiano  diz que:
         “A civilização industrial não cumpriu suas promessas: em vez de oferecer um mundo segundo a medida do homem, em que este pudesse viver e morar procurando o bem comum, trouxe-nos, entre outras coisas, o critério da produtividade como parâmetro de valor, a massificação e a manipulação das pessoas, uma angustiante incomunicabilidade, um futuro ameaçador, a atrofia dos sentimentos e a poluição ecológica”. 
Stefano de Fiores

        Hoje sabemos a importância do conceito de sustentabilidade para a preservação da espécie. A visão integral do ser humano, em suas dimensões biológica, psicológica, social e espiritual, nos mostra que nós queremos mais do que trabalhar para sobreviver. Queremos nos sentir satisfeitos com um trabalho que não agrida nossos valores morais e éticos. Afinal, "a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte..."

        Todo trabalho tem sua dimensão sagrada. Deus está trazendo o Universo de volta para casa através da redenção. Portanto, Ele trabalha transformando o malvado em bondoso, num processo onde nós cooperamos para que O Reino de Deus, que já foi inaugurado por Jesus, seja demonstrado agora e consumado plenamente na eternidade. Por isso, nosso trabalho não é "secular". É um sacerdócio. É um Ministério seriíssimo cooperar com Deus para que haja o mínimo de organização social em meio ao caos do mundo.

       Assim, quando estamos virando a massa da obra; dando aula na escola; redigindo uma petição; fazendo uma obturação; fazendo faxina na casa, estamos todos exercendo a função que nos cabe dentro do mandato de Deus para que o mundo seja habitável até que o Reino seja consumado.

       Nesse sentido, Deus conta conosco para que façamos parte da sociedade e a influenciemos, e, não, para que nos isolemos formando um gueto religioso. O princípio protestante ensina que não há divisão entre sagrado e profano, entre clero e leigo, entre dia santo e dia não-santo . Transformamos nossa atividade em trabalhos para Deus sendo os profissionais mais competentes e éticos que podemos ser. Pois Deus se manifesta em todos os ambientes criados por Ele. Fazemos nosso trabalho para abençoar e servir pessoas.

         Você acha mesmo que o seu trabalho secular te impede de "servir a Deus"? Você acha que se "serve a Deus" exclusivamente na igreja e no espaço religioso? Toda atividade profissional honesta é digna e é a resposta ao mandato cultural de Deus. Trabalhamos para que o mundo seja muito mais parecido com um jardim do que do com uma terra amaldiçoada. Nós somos, nos movemos e existimos em Deus. É impossível alguma coisa existir fora de Deus. O que é possível é existir sem consciência de Deus, em rebeldia a Deus, mas nunca fora de Deus, pois fora dele, nada existe... (Atos 17:28)

     O Apóstolo Paulo convoca todos os trabalhadores para servir a Deus através de suas tarefas profissionais: "Escravos, obedeçam em tudo a seus senhores terrenos, não somente para agradar os homens quando eles estão observando, mas com sinceridade de coração, pelo fato de vocês temerem ao Senhor. Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo".[Colossenses 3.22-24]

        O trabalho é um serviço prestado a Deus – é a Cristo, o Senhor, que nós estamos servindo quando acordamos na segunda-feira pela manhã para encarar a rotina da semana. Quem quer servir a Deus não precisa abandonar sua carreira ou se aposentar. Por que não ser  missionário dando aula em escola pública? Por que não ser missionário sendo advogado honesto em meio ao judiciário podre. Por que não ser missionário tornando mais limpas as ruas da cidade? É à luz de tudo isto que podemos compreender o texto de Mateus 25:31-46.

         Pois nesta parábola, os que possuem o Reino como herança são aqueles que dão de comer a quem tem fome, de beber a quem tem sede; os que visitam os presos, os doentes, os que dão roupa aos que estavam nus. Vemos que as palavras de Jesus não são taxativas. Elas exemplificam algo que pode ser ampliado. Por que não estender a ideia também para quem ajuda a construir a casa onde os outros moram, àqueles que ensinam aos analfabetos, ou àqueles que trazem energia elétrica aos que viviam à luz de velas?

          Perceba que na fala de Jesus não é quem entrega um folheto a quem ignorava o Evangelho que entra no Reino Deus. Ele não diz: "Possuam o Reino, pois fui incrédulo e vocês me ensinaram as dez semelhanças entre José do Egito e Jesus de Nazaré... Os herdeiros do Reino são aqueles que não necessariamente passaram pelos corredores da religião. Pois uma Igreja que serve ao próximo e que lava os pés da Nação tem de ser uma Igreja Laica
“O propósito de Deus não é que os seres humanos se tornem anjos, nem mesmo religiosos, mas que se tornem completamente humanos [...] e nos tornamos totalmente humanos relacionando-nos com Deus e construindo uma comunidade humana [...] (nosso) futuro não é tornar-me uma alma imortal lá em cima no céu – isso é idéia dos gregos – mas uma pessoa completamente ressurreta em uma criação inteiramente renovada, em um novo céu e uma nova terra”. 
  Paul Stevens 

         Queremos mesmo construir um mundo melhor no nosso ambiente de atuação. Não vamos mudar o mundo, mas podemos fazê-lo um pouco melhor nos lugares onde nós passamos. É essa a perspectiva cristã de trabalho. Essa é a "utopia" do Reino de Deus. E é a utopia que move o coração humano.

        Trabalhamos para construir um novo mundo, inclusive o nosso, que começa dentro de nós. O novo mundo é inspirado no novo céu e na nova terra, a utopia de Jesus em seu anúncio do Reino de Deus, um reino de justiça, paz e alegria, um reino de shalom: prosperidade de tudo para todos, que começa aqui e agora e se concretiza definitivamente ali e além, tem seu início na história e se consuma na eternidade. Mas o novo mundo nos afeta pessoalmente, e é também o nosso mundo, a nossa prosperidade, o ambiente de prosperidade para nós mesmos e os que estão ao nosso redor, especialmente nossa família e comunidade de amigos. É com o nosso trabalho que temos pão à mesa e mesa farta, para nós e para os nossos. E quanto mais abrangente esse universo que chamamos nosso, quanto mais pessoas forem incluídas nas fronteiras do “nosso mundo”, mais profunda e abrangente será nossa experiência do Reino de Deus.
Ed René Kivitz


        O Reino de Deus está dentro de nós e já foi inaugurado por Cristo. Mas para que ele seja demonstrado na Terra, precisamos sinalizá-lo através da nossa vida. Que o nosso trabalho possa se tornar uma expressão de um pedaço do Reino de Deus na Terra, anunciando a beleza que está por vir na eternidade.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um Deus que se frustra

       
      Umas das coisas mais errôneas que se pode pensar a respeito de Deus é que Ele é um tirano. Jesus, durante todo seu ministério terreno, trabalhou para ajustar nossas lentes com relação ao seu Pai. Perceba que na parábola dos lavradores maus, em Mt 21:33, o dono da vinha representa o próprio Deus: 


       Jesus disse: —Escutem outra parábola: certo agricultor fez uma plantação de uvas e pôs uma cerca em volta dela. Construiu um tanque para pisar as uvas e fazer vinho e construiu uma torre para o vigia. Em seguida, arrendou a plantação para alguns lavradores e foi viajar. Quando chegou o tempo da colheita, o dono mandou alguns empregados a fim de receber a parte dele. Mas os lavradores agarraram os empregados, bateram num, assassinaram outro e mataram ainda outro a pedradas. Aí o dono mandou ainda mais empregados do que da primeira vez. E os lavradores fizeram a mesma coisa. Depois de tudo isso, ele mandou seu próprio filho, pensando: "O meu filho eles vão respeitar." Mas, quando os lavradores viram o filho, disseram uns aos outros: "Este é o filho do dono; ele vai herdar a plantação. Vamos matá-lo, e a plantação será nossa". Então agarraram o filho, e o jogaram para fora da plantação, e o mataram.
      Esse texto faz alusão à Isaías 5:2-7. Que nos explica que Deus esperava que Israel fizesse o que é direito, mas só ouviu suas vítimas pedindo socorro. Deus é frustrado em seus planos, para que não viole o livre arbítrio concedido à sua criação, como demonstração de todo o seu amor. Todos os dias os seres humanos usam o presente de Deus - a liberdade - para fazer o que é mau.

     É difícil para nós pensar que Deus ficou frustrado. Saber que Ele não conseguiu realizar um de seus desejos nos deixa assustados. Principalmente por que nossa mente raciocina com o conceito grego de Deus. Aquela ideia de perfeição suprema. Afinal, aquele que é perfeito não muda, nem é frustrado no seu querer. Mas a perfeição do Deus dos cristãos, tratada na Bíblia,  não quer dizer "ausência de mudança de ânimo". O Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo se entristece e se alegra. Ele é um Deus passional, um Deus de relacionamentos.  E relacionamentos implicam a possibilidade da frustração. O amor só é pleno quando ambos são totalmente livres, inclusive para abandonar o outro e fazer o que é mau.

      Jesus compartilha sua frustração quando diz: " Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os mensageiros que Deus lhe manda! Quantas vezes eu quis abraçar todo o seu povo, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram! (Mt 23:37). Já pensou num Deus que chora e lamenta não ter conseguido o que queria? Não parece mesmo um Deus Todo-poderoso... Mas acontece que Ele se esvazia do seu todo-poder e encarna como Todo-Amor... Ele que, em sua essência, não poderia jamais ser frustrado em seus planos, abre mão de usar seu todo-poder avassalador para usar seu amor incondicional.

       Viver debaixo da graça (favor que não se merece) é assim mesmo. Assusta. Ser livre é coisa muito séria. E, na verdade, Deus se permite frustrar porque não impõe sua vontade sobre seus filhos. Ele assume o ônus de ter criado seres à sua imagem e semelhança. E sabe que a liberdade traz consigo a possibilidade de fazer o mal, inclusive contra Ele mesmo e contra sua perfeita vontade.

       Precisamos aprender a viver de acordo com o que Ele nos ensina, para que possamos gerar em seu coração a alegria de ver os frutos do sacrifício e, não, a frustração de ver seus filhos queridos escolherem o que é mau.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Como funciona a oração


       Você já parou para se perguntar como funciona o mecanismo da oração? Confesso que já o fiz muitas vezes. Nunca entendi por que uns eram atendidos e outros, não. Quem nunca desconfiou que orar não funciona? Houve um tempo em que eu cria que se eu fosse fiel a Deus, Ele concederia todos os meus desejos (um gênio da lâmpada!) e daria vantagens a mim quando eu tivesse alguma disputa com algum incrédulo, ou alguém que não ora como eu oro. Pensava eu que minhas súplicas "moviam a mão de Deus". Ainda não tinha lido: "E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, SEGUNDO A SUA VONTADE, ele nos ouve". (I Jo 15:14)

      Imagine que você está tentando a vaga num emprego. Concorrem com você umas trinta pessoas. Você acha mesmo que aquele candidato que conseguiu reunir o maior número de intercessores é o que vai levar a vaga no emprego? Se assim fosse, Deus seria manipulável. Seria alguém sempre pronto a satisfazer nossas vontades, ainda que não sejam legítimas. No exemplo do emprego, pelo menos o desejo é válido, a lógica da oração é que precisa ser revista.

A Bíblia não garante que Deus atenderá nossos pedidos exatamente como foram feitos: pode ser que a vaga no estacionamento não seja encontrada e que chova no dia da festa. A oração não se presta a fazer Deus trabalhar para nós, atendendo nossos caprichos e provendo o nosso conforto. Já que a causa da oração simples é a ansiedade, a resposta de Deus é a paz. O resultado da oração não é necessariamente a mudança da realidade a respeito da qual se ora, mas a mudança da pessoa que ora.
Ed René Kivitz 

        Perceba que a oração deve ser feita sempre, mas o assunto está extremamente vinculado à paz gerada pelo ato de orar: "Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petiçöes sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos coraçöes e os vossos sentimentos em Cristo Jesus." (Filipenses 4:6-7). 


     Saber que as preces não funcionam de forma mágica para obtermos os objetos de nossos desejos não deve nos tirar o estímulo de orar. Pois a maior vantagem de quem ora é a paz. Quem ora quando está aflito ou ansioso recebe a bênção de ser consolado. Quem ora desenvolve maturidade espiritual. Sabendo que, para que sejamos atendidos, temos que estar alinhados com a vontade do Pai, procuramos orar por coisas mais nobres. Mas isso não quer dizer que não possamos orar por coisas pequenas como para fechar um contrato ou conseguir achar um sapato perdido. Orar, por si só, já é um ato benéfico.


     Apenas ocorre que o conteúdo das nossas orações revela as coisas que ocupam nosso coração e a nossa mente. Se estamos sempre orando por coisas egoístas, isto nos mostra como estamos auto-centrados e ensimesmados. Se todas as suas orações são pedindo coisas para si mesmo, é hora de pensar um pouco...


   Robert Schuller diz que orar a Deus com a finalidade de que Ele conceda todos os nossos desejos é o mesmo que estar com o barco na beira da praia, jogar a âncora e puxar a corda para a praia chegar mais perto do barco. Na verdade é o barco que deve chegar mais perto da praia, não é mesmo? Assim também quando se ora, somos nós que chegamos mais perto de Deus e, não, Deus que se aproxima de nós. Por isso, alguém que ora bastante vê que suas orações são eficazes. É o homem que fica pertinho do Pai e começa a orar de acordo com Sua vontade e, não, Deus que fica saturado de tanto ser incomodado por seus filhos chatos e concede o que queremos.

       Será que você acredita em um anjinho que protocola suas súplicas? Francamente...


      O nosso raciocínio é que se nós oramos e não conseguimos o que queríamos, de nada adiantou o fato de temos orado. Mas já imaginou Deus dando tudo o que todo mundo pede? O mundo não seria habitável! Três, cinco, ou dez pessoas, querendo namorar a mesma pessoa, pediriam a Deus o amor desta. E ela se apaixonaria pelas dez ao mesmo tempo. Manipulação... Não daria certo nunca!

     Achar que vamos conseguir tudo o que a gente quer simplesmente porque fazemos coisas para Deus, é idolatria. Pois os ídolos são aqueles que pedem favores espirituais para agir. Oração a Deus é uma espécie de recurso para purificar os nossos desejos maus e não uma forma de ser o queridinho do Papai!


     Nada tem a ver com aquilo que nós tentamos fazer. Queremos bajular a Deus para amolecer Seu coração bondoso. Como se a quantidade de horas de adoração fossem contabilizadas para que depois nós as sacássemos, como se fosse um crédito. Não podemos convencer a Deus de fazer aquilo que nós achamos que é melhor para nós. Por isso diz o salmista: "Deleita-te no Senhor e Ele concederá os desejos do teu coração." Pois enquanto estamos de joelhos na presença de Deus, nossos desejos são alinhados com os desejos de Deus, por isso Ele concede.


    Nas palavras de Santo Agostinho: "Rogamos àquele que conhece, conforme suas próprias palavras, aquilo que nos é necessário, antes mesmo de lhe pedir-mos. Temos de entender que o intuito do Nosso Senhor e Deus não é ser informado sobre nossa vontade, que não pode ignorar, mas despertar, pelas orações, o nosso desejo para aquilo que nos quer dar e que, realmente, é imensamente grande!"


     Não me importo com a forma como oro. Nem me preocupo se minha oração é razoável ou não. Apenas converso com Meu Amigo e ponho para fora o que está no meu coração. Quero colocar diante dele tudo aquilo que me aflige. Mas espero que eu aprenda a ser mais nobre e maduro e orar por coisas mais dignas a cada dia. Pois a oração me leva para perto dele e faz de mim um discípulo que tem paz, alegria e perseverança.

   Precisamos aprender o segredo do contentamento, estar satisfeito em toda e qualquer situação (na linguagem de Paulo). Precisamos beber da água que sacia para sempre a nossa sede (linguagem de Jesus).

     Dostoiévski diz que o vazio no peito do ser humano é do tamanho de Deus. Por isso eu quero encher-me do Eterno. E, se na minha vida vai dar tudo certo, eu não sei, mas que vou orar até o fim, isso vou...

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Abraão, Isaque e Jacó



     Quando Jacó fugia de seu irmão Esaú, teve uma experiência diferente com Deus. Ele disse que se o Senhor o guardasse, aí sim seria o Deus dele. Jacó estava desesperado porque sabia que tinha roubado a seu irmão, e este jurou que iria matá-lo. Só a partir de então é que ele resolveu se relacionar com Deus de forma íntima. Resumindo: até aquele momento, o que Jacó sabia a respeito de Javé (nome hebraico de Deus) era que este era o Deus de Abraão, seu avô e de Isaque, seu pai.

      Somente num momento de crise, no qual ninguém mais podia ajudá-lo, Jacó resolveu ter uma experiência profunda e pessoal com o Sagrado. Até então, apenas ouvia falar dEle. Até ali, para ele, parecia muito mais um deus ritualista e superficial do que o Deus de toda provisão!

     Alguns teólogos afirmam que Deus não é o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Ele é o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Entende a sutil diferença? Ocorre que cada um de nós tem uma percepção do Pai. Cada um de nós se relaciona com Ele de uma maneira diferente. Com uns Ele fala quase que audivelmente. Com outros Ele fala prioritariamente através da Bíblia. Já com outros ele fala através de visões. E há aqueles com os quais Ele fala através de fortes sensações interiores. Para Davi, Deus era "Senhor dos Exércitos", que o protegia nas batalhas. Para seu filho Salomão, Deus era o supra sumo da sabedoria, que o guiava nas decisões mais difíceis, enquanto para Jesus, Deus é seu "Abba", seu Papai...

     Portanto, de nada adianta que você tente viver à sombra do Deus dos seus pais. Convivi com gente que entrou em crise existencial justamente porque até hoje não teve um encontro real e pessoal com o Pai. Gente que viveu frequentando igreja por causa da experiência que seus pais ou avós tiveram com Deus. Já está na hora de nós termos nossa própria vivência espiritual. Pois Deus só faz sentido se for real na nossa vida. Enquanto for mera ficção, não conseguiremos caminhar com Ele...

     Que busquemos a Ele com sede de aprender mais. Com sede de desenvolver sabedoria e intimidade. E que possamos dizer: "Antes eu Te conhecia de ouvir falar, mas agora, os meus olhos Te vêem"

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Das Vantagens de Ser Bobo




               O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando."

              Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.

             O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.

            Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. 



         Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.

          Aviso: não confundir bobos com burros. Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"

           Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!

         Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.

        O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem.

          Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!

       Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar o excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

                                                                                                                              Clarice Lispector

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Igreja e a mulher no mundo contemporâneo



No século primeiro a mulher era apenas mais uma propriedade do seu marido. Ela era considerada pecadora e mentirosa por natureza. Seu testemunho em um julgamento tinha pouco valor. Não por acaso, após a ressurreição, quando Jesus apareceu às mulheres, estas correram e contaram aos apóstolos, mas não tiveram crédito. Afinal, elas eram consideradas pessoas pouco confiáveis.

Vivemos num mundo em que as mulheres continuam sendo desvalorizadas. No nosso país, algumas dentre elas mesmas estão cantando que são comparáveis aos bichos, sem mencionar as frutas. Apesar das grandes conquistas obtidas recentemente – dentre as quais se encontram o direito ao voto e o ingresso no mercado de trabalho – elas continuam a ocupar um espaço reduzido na sociedade. Foi somente a partir da 1° Guerra Mundial que as mulheres começaram a ter uma notável participação no mercado, pois com os homens em combate, muitas delas assumiram suas funções na produção industrial.

O próprio fato da necessidade de haver um dia para que se homenageie a mulher é prova de que ainda não absorvemos a idéia de que os dois gêneros estão no mesmo patamar de importância e valor. A despeito de evoluções como a criação da Lei Maria da Penha, as mulheres continuam sofrendo com tudo quanto é tipo de violência: no lar, no trabalho e na sociedade em geral. Continuam recebendo bem menos que os homens que ocupam a mesma função, enfrentam com bravura a dupla jornada e aquelas que trabalham exaustivamente em seus lares não têm seu trabalho reconhecido.

Mas o que a Igreja tem a ver com tudo isto? Explico. Sabemos que nós, os discípulos de Jesus, estamos postos no mundo como sal. O sal, à época do Novo Testamento, era utilizado para conservar os alimentos e evitar que eles apodrecessem. Assim deve ser o cristão no mundo: aquele que evita que o mundo se afunde na sua podridão. Segundo a Bíblia Sagrada, também somos luz, por isso devemos iluminar as trevas em que o mundo se encontra. Jesus mesmo fez questão de valorizar as mulheres. O apóstolo Paulo afirma que: “Em Cristo, não há diferença entre homens e mulheres” (Gl 3:28)

Sabemos que Deus tem expectativas diferentes para cada um, mas a submissão de que trata a Bíblia em nada se assemelha à falta de cidadania, muito menos à escravidão. Se traçarmos uma linha divisória de classificação das coisas entre “morte” e “vida”, chegaremos a uma conclusão. Por exemplo: desespero: morte. Paz: vida; poluição ambiental: morte. Desenvolvimento sustentável: vida; uso de drogas: morte. Compaixão: vida; desigualdade social: morte. Amor: vida. E Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10:10). Portanto, quando lidamos com a desigualdade de direitos entre homem e mulher, falamos de uma questão de dignidade. E devemos lutar para que ambos a tenham, porque assim, lutamos pela vida.

O Reino de Deus é o ambiente onde a justa vontade do Pai é feita. A Igreja tem o papel de sinalizar, aqui na Terra, o máximo possível do Reino que se consumará na eternidade. A dignidade intrínseca ao ser humano faz parte da imagem e semelhança de Deus em nós e a Igreja tem a vocação de iluminar o mundo com este ensinamento. Que possamos dar a homens e mulheres o mesmo valor, em todos os setores da sociedade. Então, poderemos aplaudir de pé a competência, dedicação, beleza, simpatia e o carinho que só elas possuem.
25/04/10. Denilson Basílio Costa

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu

          

            O cotidiano às vezes nos massacra, não é verdade? Dias vão e vêm e parecem ser iguais. Parece que as coisas continuam sempre do mesmo jeito... Eu, por exemplo, acordo todos os dias às 5:15 h. E lembro de versos de uma música do Kid Abelha: "Quando eu acordo ainda está escuro, eu digo: hoje eu não vou...". Tudo me irrita. E o pior é quando a gente olha para a frente e não consegue ver quando as coisas vão mudar. Paciência.

           Por falar no Kid Abelha, vamos esclarecer alguns aspectos sobre a música secular. Evangelizar nada tem a ver com impor padrões culturais. As Boas Novas do Reino de Deus não pretendem descaracterizar a cultura de povo nenhum. Ser cristão não significa pertencer a uma cultura própria. Jesus nunca desejou isso. Basta ver a oração sacerdotal de João 17, quando ele pediu ao pai que não retirasse as pessoas do mundo, mas que as livrasse do mal. Por isso, Ricardo Gondim já dissertava sobre esse assunto desde a década de 90, em seu livro: "É proibido. O que a Bíblia permite e a igreja proíbe"

          A intenção de Deus não é que formemos guetos culturais, mas que fôssemos sal e luz dentro de nossa própria realidade. A música faz parte da produção cultural de um povo. Assim como não vemos apenas filmes gospel, nem lemos só livros de História escritos por crentes, não me parece obrigatório ter de ouvir apenas música sacra.
O grande desafio para os evangélicos é o de não condenar ou afastar-se da cultura por medo de ceder ao mundanismo. Agindo assim, rechaçamos e subestimamos a cultura e assim passamos a viver em guetos.
Ricardo Gondim
         Por isso prossigo na minha jornada de peregrinação espiritual sem me valer do sectarismo, essa vontade louca de viver isolado do "mundo" que alguns religiosos tentam impor sem uma argumentação consistente. Prefiro sonhar ao som de "Vilarejo" de Marisa Monte, música que segundo um pastor, é a melhor descrição do céu já ouvida por ele. Viajo nos versos dos poetas brasileiros. Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Manuel Bandeira e por aí vai. E tento repensar a vida sem aquele peso do dia-a-dia. Por isso de vez em quando solto a imaginação e produzo um quadro. Ou simplesmente rabisco um rosto delicado de mulher num papel.

          Na busca de coisas belas, vou contemplando o céu como Ícaro, mito grego que acabou sofrendo por ser sonhador demais. Diz a lenda que o pai dele teria construído asas com penas de animais e colado com cera das abelhas. Ao se distrair com a beleza do céu, Ícaro aproximou-se demais do sol, o que fez derreter a cera e o derrubou fatalmente no mar. Ainda que seja mais arriscado, vale a pena ver as coisas pelo lado belo da poesia, mais do que pelo lado frio da ciência e do ceticismo. Por isso prefiro o céu de Ícaro ao de Galileu. Mas certamente o fim do jovem que contempla o firmamento imaginando a eternidade será outro. Vida longa ao lado do Criador...
             

Já estou cheio de me sentir vazio

           

         A queixa de Renato Russo, na música "Baader Meinhoff Blues" é a mesma queixa de boa parte da humanidade. As pessoas estão cada vez mais ocupadas. Cada vez mais atarefadas. E tendo relacionamentos cada vez mais superficiais. Os estudiosos chamam isto de utilitarismo. Utilitarismo é o que acontece quando nós nos aproximamos das pessoas já calculando o que elas podem nos oferecer. Achamos que todos os nossos passos têm de ter alguma finalidade. Se pergunta: "O que eu vou ganhar se fizer isso ou aquilo?" Desse jeito, deixamos de lado aquelas amizades espirituais, onde estamos ao lado de pessoas sem motivo algum. Sem interesse. Só porque gostamos delas.

         A sociedade consumista quer sugar tudo o que vê pela frente. Não é raro vermos jovens famosos, ricos e poderosos sendo vítimas de mortes trágicas como a de Amy Winehouse. Mesmo tendo de tudo na vida, aparentemente, essas pessoas tentam suprir o vazio que sentem na alma através do sucesso, da fama, das bebidas, das noitadas, das paixões desenfreadas e principalmente das drogas. Tudo por que dentro de nós há uma espécie de sanguessuga, um bicho come-come que tudo quer traçar e nunca está satisfeito.

           Recentemente os cientistas chegaram à conclusão de que o ser humano possui um espaço no cérebro destinado à fé. Parece que já nascemos com esse lugar reservado para a busca pelo sagrado e pela espiritualidade. Isto explica porque em todas as culturas há crenças religiosas. E explica também por que tanta gente tenta ser feliz depositando suas vidas no carro do ano, na carreira dos sonhos, no grande amor da sua vida, na poupança gorda. O umbigo existencial da humanidade é um poço sem fundo. Somente o Deus eterno pode preencher esse vazio sem fim. Assim, podemos experimentar a paz que excede todo o entendimento, como diz o apóstolo Paulo.

          Quando comecei a ter uma certa intimidade com o Papai, deixei de fazer coro com o Renato Russo, pelo menos nessa frase. Não mais me sinto cheio de estar vazio. Pois aquele vazio foi preenchido pelo amor eterno e agora ainda que haja momentos de fraqueza, tristeza e solidão, estes são breves, pois o que permanece é a sensação de saciedade que Ele me deu.

           Chega de se sentir vazio. É possível se sentir feliz enquanto se corre atrás do futuro. Com ambição de crescer na vida e prosperar, mas de forma saudável e solidária, como Jesus nos ensina.

domingo, 31 de julho de 2011

Desejos


 O hedonismo é uma corrente filosófica que entende que a felicidade somente pode ser alcançada através da busca pelo prazer e pela diminuição da dor. Segundo essa doutrina, o prazer chega a ser visto como o próprio sentido da vida, sendo um bem em si mesmo. A escola hedonista cirenaica preceitua que quanto mais intenso for e quanto mais tempo durar o prazer, melhor viverá o homem. 

 A sociedade chamada pós-moderna é demasiadamente influenciada pelo hedonismo. Em nossos dias, ser feliz significa basicamente ter coisas suficientes para nossa satisfação. O consumo desenfreado, marco do capitalismo, é um retrato do mundo atual, o que faz com que cresça, sem parar, o abismo que separa aqueles que podem possuir as maravilhas da tecnologia daqueles que vivem à margem de tudo isso.
 A própria filosofia, através de muitos de seus mais famosos representantes, reconhece que se todos os seres humanos buscassem, o tempo todo, a satisfação de suas próprias vontades, acima de qualquer coisa, o mundo seria um caos maior do que já é. O pouco de ordem que conseguimos manter para que a Terra continue a ser um lugar habitável provém da capacidade que tem o homem de refrear seus instintos diante dos outros.
 O que a sabedoria cristã quer nos ensinar é que se você tiver uma experiência profunda com o divino, depois de algum tempo você vai perceber que todo o resto não vai fazer tanta diferença assim. Se formos ricos ou pobres, não vai fazer tanta diferença assim. Se minha saúde vai ser plena ou se vou estar doente, não vai fazer tanta diferença assim. Se eu estou bem empregado ou mal empregado, não vai fazer tanta diferença assim. Se eu vou poder ter filhos ou não, não vai fazer tanta diferença assim. Pois “ser cheio de toda a plenitude de Deus” significa não precisar de mais nada. É chegar a um estágio da existência em que nada mais importa muito.
 O conselho do apóstolo Paulo que, inclusive, conhecia muito bem a filosofia greco-romana, é: “Revistam-se do Senhor Jesus Cristo, e não fiquem premeditando como satisfazer os desejos da carne” (Rm 13:14). Porque não é a satisfação dos nossos desejos que vai trazer a felicidade plena. O vazio do coração humano é eterno e só pode ser preenchido pelo Eterno. Por isso, sem comunhão intensa com Deus, sempre vai parecer que falta alguma coisa e a infelicidade será crônica.
O grande segredo para a satisfação e a felicidade plena é servir ao próximo. É isso que Jesus explica ao longo de todo o seu ministério terreno e nós, até hoje, não entendemos muito bem. Aproxime-se do outro e você terá mais chances de experimentar o amor de Deus. Busque a comunhão com o Pai e você terá superado o vício do desespero.
14/06/10. Denilson Basílio Costa

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Amizade, internet e fones-de-ouvido


               A vida no século XXI tem suas facilidades. Quem conseguiria viver sem internet atualmente? Nos acostumamos a viver conectados o tempo todo. Ainda me lembro de quando minha avó dizia que o fone-de-ouvido era o símbolo do egoísmo. Para ela, o nome do fone era "egoísta". Meu avô, então, ficou assustadíssimo com o advento do celular. Dizia ele que as pessoas estavam surtando por causa do pequeno aparelho, pois andavam pelas ruas gritando e gesticulando sem ninguém ao lado delas.

             Ah! Se meus avós soubessem como as pessoas transmitem informações em tempo real no Orkut, MSN, Twitter, Facebook... Acho que não entenderiam como nós conseguimos compartilhar nossas vidas com tamanha velocidade e sem a menor cerimônia.

           Apesar de tanta tecnologia, espero que nós tenhamos sabedoria para reinventar a cada dia as relações afetivas de qualidade. A comodidade da internet é tão grande que pode ocorrer a tentação do isolamento físico. Pois se eu posso estar em casa conectado a um mundo virtual de bate-papo com dezenas de pessoas ao mesmo tempo, por que deveria sair de casa para visitar um amigo? 
             
             O problema é que uma coisa não substitui a outra. As mensagens de texto, as gargalhadas virtuais do tipo: "kkkkk"; ou "hahuahau"; jamais serão gostosas como aquele abraço fraternal ou a cara avermelhada de quem ri de uma piada contada ao vivo e à cores. O mundo virtual pode ser uma bênção, sim. Na grande rede encontramos amigos que nunca mais veríamos se ela não existisse. O cuidado, porém, é necessário.

             Já reparou que até a fé está cada dia mais dinâmica? A questão é que a linha que separa dinamismo de egocentrismo é muito tênue. Assim como há inúmeros profissionais que já conseguem exercer seus ofícios em casa, hoje existe gente tentando praticar sua fé cristã no conforto de seus lares. Mas apesar de sabermos que o templo não é a "casa de Deus" (“o Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas”. At. 17:24) - faz-se necessário que estejamos sempre em comunhão com os outros. Afinal, como aprender a perdoar e a amar os que nos perseguem se nem temos contato com as pessoas?

      
            Não podemos viver isolados dos outros, reclamando de seus defeitos para justificar nossa tendência egoísta e depois achar que a não participação nos eventos da comunidade não atrapalha a fé. A espiritualidade tem sua face individual, isto é nítido. Mas retire do cristianismo os ajuntamentos para oração, louvor e comunhão e o que sobrará será uma espécie de filosofia ou misticismo, apenas. Por estas razões, mesmo tendo sofrido com atitudes alheias, com decepções com aqueles de quem se esperava um ombro amigo, com as desavenças dentro da própria igreja, prossigo me esforçando para não deixar de congregar com os irmãos. Falhas, também as tenho. E é lutando para superá-las que continuo o caminho rumo ao Reino.

            Sedento por experiências profundas com o sagrado, procuro a verdadeira essência da fé. Minha alma tem pressa. Chega de coisas mesquinhas. Chega de disputas intermináveis por cargos na igreja. Chega de achar que todo mundo tem que ser líder disso ou daquilo. Chega de comportamentos teatrais. Quero ver gente de verdade. Gente que erra e depois ri das besteiras que fez. Quero também sentir a brisa suave do toque do Espírito Santo. E o auge dessa vivência é poder compartilhar a beleza da vida com amigos, principalmente aqueles que são mais chegados que um irmão. Pois estes ficam muito bem guardados: do lado esquerdo do peito.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Uma fé sadia para um mundo melhor

           

           A despeito de todas as previsões para o fim dos tempos e para a volta de Cristo, precisamos nos importar com o tipo de vida que vivemos enquanto estivermos aqui. A fé sadia tem como uma de suas funções proporcionar ao fiel um equilíbrio acima da média. Espera-se que uma pessoa de fé seja alguém que busca desenvolver uma maior capacidade de amar e perdoar. Nesse sentido, entendo que a espiritualidade é, de certa forma, uma maneira de sermos pessoas mais maduras.

            Percebo que, pelo menos na minha vida, a fé já mostrou sua enorme eficácia. Não fosse eu um jovem com vivência espiritual, jamais teria passado por momentos tão complicados com alguma serenidade. A busca pelo sagrado é uma aventura das mais fascinantes. A compreensão que temos do divino acaba norteando toda a nossa vida. Ao contrário do que pensam alguns, a fé nem sempre é um refúgio para os infantis. É bem verdade que há aqueles que procuram encontrar em Deus aquele pai que nunca tiveram. Mas o Deus que eu conheço, para o qual me ajoelho e oro, não faz de seus filhos covardes nem alienados. Pelo contrário. Ele zela pela liberdade - afinal, seres sem livre arbítrio nunca seriam capazes de amar. Ele sofre conosco a cada experiência dolorosa, pois sabe que sem uma dose de dor não há crescimento.

         Existe uma fé inteligente. Que caminha no rumo do auto-conhecimento e da paz. Sem radicalismos. Sem fundamentalismos. Por isso eu fico mesmo é com o filósofo Soren Kierkegaard:                  

           "A fé é a maior aventura existencial. Para os fracos, ela constitui abrigo, segurança. Para os fortes, a fé é uma aposta, uma aventura arrojada, um mergulho no Desconhecido. A fé do fraco é acomodação às circunstâncias, sujeição ao que se julga imutável. A fé do forte é a certeza da superação de todas as circunstâncias, de algo maior do que as limitações do presente, a antecipação de um futuro aparentemente improvável."

             
           Que nós possamos um dia entender que nenhuma palavra fala mais alto que o exemplo e que este não é a melhor maneira de se influenciar a sociedade. É a única. Além disso, não se trata de um exemplo puramente moral. O homem de fé não precisa ter aquele estereótipo de "certinho" ou de cisudo, mal humorado. Ele deveria ser um cara de bem com a vida. Um "gente boa" por natureza. Ser seguidor de Jesus é difícil, sim. Mas também nos traz paz e alegria. Para que os outros possam querer fazer parte da família de Deus, é preciso que percebam que nós, que já fazemos parte dela, somos felizes por sermos cristãos. Por isso concordo com o também filósofo Friedrich Nietzsche: “Se mais remidos se parecessem os remidos, mais fácil me seria crer no redentor”. 


            Houve períodos na história em que os intelectuais apostaram na extinção da religião e da fé. Pensavam que, em um mundo automatizado, cheio de tecnologia, não haveria espaço para a crença em Deus, pois esta seria considerada ultrapassada, coisa de ignorantes. Estavam errados. A ciência descobriu que o ser humano possui uma área do cérebro reservada para a fé. Ou seja, a espiritualidade jamais será abolida da raça humana, pois é uma dimensão da própria existência. É uma necessidade do homem. Ainda que seja ateu, esse ateísmo é uma forma de exercer sua crença.


             Uma fé sadia atrai os incrédulos para perto de Deus...  Está provado pelas pesquisas que a melhor forma de evangelismo é a convivência com os crentes transformados. A maioria dos que se convertem, o fazem porque conviveram com alguém que deu um bom testemunho de vida. Sem fanatismo. Mas com raiz fincada naquilo que é bom. Naquilo que é agradável. Naquilo que é de bom gosto. Seja essa a nossa experiência do sagrado. Uma espiritualidade inteligente e madura.



quinta-feira, 30 de junho de 2011

De cabeça pra baixo

             

             Após dois meses de silêncio, senti vontade de escrever novamente. Foi muito difícil conviver com os duros golpes que levei da vida desde o meado do ano passado até agora. No dia em que completo 27 anos de idade, me pus a fazer algumas reflexões acerca de como está a minha vida e de como está o mundo, de forma geral. Seria cômico, se não fosse trágico perceber que, no mundo de hoje, a virtude é motivo de vergonha. Ser bondoso, honesto, educado, gentil e tentar ter qualquer tipo de postura ética chega a nos fazer alvo de críticas sem fim. Alguns chegam a rotular um sujeito de bem como "otário". Como disse Rui Barbosa:

           "De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto."

             Isso é triste. A pressão pra que nos tornemos mais um repetidor dos padrões atuais é muito grande. Sobretudo quando se é um jovem, homem, solteiro e crente. Parece que todos vêm um ET quando alguém devolve o troco a mais dado de forma errada pelo trocador do ônibus, quando se recusa a compactuar com um furto de prova da faculdade ou quando se abre mão de exigir os direitos em prol do benefício de um desconhecido que bateu no seu carro.

             Claro que nem sempre nós fazemos o que deveríamos. Eu e todos os jovens cristãos do mundo cometemos erros e deslizes vez por outra. Mas o padrão não pode ser o erro. O erro é acidente de percurso. Mesmo quando tentei desistir de ser "eu" e tentei parecer "igual a todo mundo", a experiência mostrou que não dá certo. Mesmo sendo visto como excessivamente ingênuo ou bonzinho, sigo nesse rumo da tentativa - veja bem, tentativa - de agir com o máximo de pureza de coração possível.

             Afinal, com a licença do Milton Nascimento, "há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão... E me fala de coisas bonitas que eu acredito, que não deixarão de existir. Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor. Pois não posso, não devo e não quero viver como toda essa gente insiste em viver. E não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal...Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão. Toda vez que o adulto fraqueja, o menino me dá a mão."

              Que esse menino renasça no dia de hoje!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

À espera de um milagre

         

          Você crê em Deus? Se a resposta for sim, então, você crê em milagres. Esta afirmação é praticamente unânime. Se Deus é o criador do Universo, necessariamente Ele tem poder suficiente para fazer qualquer tipo de milagre que deseje. Veja bem, dizer que Deus pode fazer milagres não significa que Ele vai fazer aquele milagre que você deseja, muito menos na hora que você quer.

          Durante muito tempo evitei criticar qualquer tipo de Teologia. Depois percebi que certas observações são necessárias, pois podem evitar que muitas pessoas se enganem  e se frustrem como eu mesmo me enganei e me frustrei. A Bíblia Sagrada está repleta de situações envolvendo curas e outros tipos de milagres. Mas faz toda a diferença saber o contexto em que tudo aquilo aconteceu.

         Os milagres são distribuídos na Bíblia em quatro grandes blocos de períodos: o do Êxodo, o dos profetas Elias e Elizeu; o de Jesus; e o dos apóstolos. Cada um desses períodos tinha um grande motivo para que Deus realizasse milagres em uma profusão acima da média. No caso de Jesus, por exemplo, os milagres tinham a função de confirmar que Ele era mesmo o Messias, o Salvador.

          Já os milagres que acontecem hoje são fruto dos dons distribuídos pelo Espírito Santo à Igreja. Hoje, o dom de operar milagres é dado apenas a alguns, pois cada um tem um dom diferente.
           "Para o bem de todos, Deus dá a cada um alguma prova da presença do Espírito Santo. Para uma pessoa o Espírito dá a mensagem de sabedoria e para outra o mesmo Espírito dá a mensagem de conhecimento. Para uma pessoa o mesmo Espírito da fé e para outra dá o poder de curar. Uma pessoa recebe do Espírito poder para fazer milagres, e outra recebe o dom de anunciar a mensagem de Deus... Ele dá um dom diferente para cada pessoa, conforme Ele quer." (I Co 12 : 7-11)

         Os milagres, então, são fenômenos muito comuns nas Escrituras Sagradas, mas aquela intensidade vista na Bíblia era específica para carimbar e autenticar e messianeidade de Jesus. A revelação já está feita. Portanto é óbvio que o cristão acredita em milagres. Minha dificuldade é acreditar que os milagres possam ser feitos com tamanha banalidade, todo dia e toda hora, como vemos em alguns programas "evangélicos" na TV. Aquilo que não é eventual, não poderia ser chamado de milagre, pois este já traz em seu próprio conceito a característica de ser esporádico.

          Alguns movimentos religiosos querem lotar seus templos com o convite: "Venha buscar o seu milagre!" "Pare de sofrer, venha para nossa igreja". Como se nós pudéssemos manipular a vontade de Deus e obrigá-Lo a intervir de maneira sobrenatural nas nossas vidas para resolver nossos problemas particulares. Então, é bem provável que alguém ore com fé durante muitos anos, seja fiel a Deus durante todo o tempo, mas mesmo assim não veja o milagre que tanto deseja acontecer.

          Devemos servir a Deus por amor. Devemos glorificar o Seu nome independentemente das circunstâncias. Temos de ser realmente discípulos de Jesus. Se no meio desse caminho os milagres acontecerem, glória a Deus! Mas não pode ser esse o nosso objetivo maior. Não deve ser interesseira a nossa busca pelo sagrado, pois o amor não pode ser condicionado a exceções como os milagres. Deus deve ser amado não pelos presentes maravilhosos que pode nos dar - e Ele já nos tem dado - mas pelo que Ele é: Nosso Papai.